Resolução da Ufes aprofunda a precarização das condições de trabalho docente em tempos de pandemia

O documento normativo da universidade não leva em consideração as limitações técnicas e subjetivas de professoras/es, técnicas/os e estudantes em isolamento por conta da Covid-19. Leia aqui o parecer da Assessoria Jurídica da Adufes

Na contramão da pauta defendida pela comunidade acadêmica (e também pela Adufes) a Resolução n. 07/2020 prevê a realização de “atividades de apoio ao ensino-aprendizagem de caráter opcional” e adverte ainda que durante o período de quarentena sejam produzidos relatórios sobre as atividades desenvolvidas pelas/os docentes.

A imposição do preenchimento de relatórios por professoras/esdurante a pandemia foi considerada incoerente. Dentre os docentes que fazem essa avaliação, Maurício Abdalla, do Departamento de Filosofia, criticou a medidada da universidade. “Não vejo nenhum sentido nesse formulário. Inventaram um documento sem nenhuma efetividade prática. É como uma caneta e papel que os pais dão para o filho desenhar para mantê-lo ocupado enquanto estão trabalhando”, criticou Abdalla.

A Resolução não leva em consideração as adversidades enfrentadas no momento. O professor do Departamento de Ginástica, Luiz Alexandre Oxley, demonstrou preocupação com a medida.  “Eu e minha esposa estamos no grupo de risco e cuidamos da minha mãe de 86 anos. Além disso, temos três filhos e netos”, frisou.

Ele acrescentou que vem tendo muitas preocupações neste período de isolamento. “O centro da nossa atenção são os cuidados com a saúde da nossa família. Não sei como conseguirei dar conta da produção de relatórios e atividades virtuais diante de um contexto de pandemia”, destacou o docente mostrando-se surpreso com a não suspensão do calendário acadêmico.

Aumento de tarefas. Mesmo atuando no mundo acadêmico, as professoras ainda acumulam a maior parte do trabalho doméstico e cuidado com crianças. Assim, as medidas de contenção do novo coronavírus têm deixado as docentes ainda mais sobrecarregadas em casa.

“Os anexos D e E da resolução não dispensam ou reduzem as exigências acadêmicas para nós, mães, que neste momento de pandemia, não temos com quem deixar as crianças ou dividir os cuidados”, salientou a professora do Departamento de Línguas e Letras, Grace Alves Paixão, acrescentando que o Anexo E instrui  quem tem filhos a solicitar à sua chefia a realização de  trabalho remoto. “Essa não é a solução, pois precarizam as nossas condições de trabalho”.

Grace intercala atividades cotidianas e cuidados com o filho João Miguel, de três anos, que, como todas as crianças, não está indo à creche. “A universidade suspende as aulas, mas nos determina que continuemos trabalhando. Os gestores precisam entender que cuidar de uma criança exige tempo, criatividade e afeto”. A docente contou que recentemente recebeu do Ministério da Economia uma mensagem sobre o trabalho remoto e os cuidados com as crianças (imagem ao lado). O informativo orientava sobre como conciliar as tarefas.

“Dão dicas de como organizar a vida para que esses cuidados se tornem simples e praticáveis. No entanto, essa não é uma questão meramente operacional, de organização do trabalho. Não dá para ignorar meu filho chorando enquanto finalizo um artigo ou preparo uma aula”, relatou a professora.  

Avaliação da Adufes. Para a presidenta da Adufes, Ana Carolina Galvão, a Resolução não se preocupa com as condições de vida e de trabalho nesse contexto. Além disso, o relatório exigido é mais um documento para produzir, dentre tantos que já existem. “As/os professoras/es prestam contas de suas atividades com os projetos e relatórios de pesquisa e extensão; demandas administrativas ficam registradas nas atas e outros documentos dos departamentos; as atividades de ensino estão registradas nas pautas, programas e avaliação dos discentes”.

A presidenta salientou que também é possível verificar as atividades desempenhadas pelas/os professoras/es via plataforma lattes, relatórios de progressão e os emails diários que as/os docentes respondem, que comprovam que apesar da pandemia, a categoria permanece trabalhando. Ana Carolina questionou: “por qual razão, nesse momento em que não estamos optando por ficar em casa e nem estamos trabalhando menos, devemos fazer o relatório dos inúmeros relatórios que já fazemos?”.

Ana reforçou que “o isolamento social é para salvar vidas e não para nos precarizar e explorar ainda mais a classe trabalhadora em nome de supostas “alternativas” e “necessidades” deste momento”.

Parecer Jurídico. O documento produzido pela assessoria jurídica da Adufes sobre a Resolução n. 07/2020 previne a categoria para estar atenta à aplicação do artigo 8º.  De acordo com o jurídico “não se pode exigir apresentação de Relatório de Atividades como o objetivo de homologação de ponto, pois isso significaria afrontar a razoabilidade, bem como a igualdade de tratamento entre os servidores”, diz trecho do parecer. Leia aqui a avaliação jurídica