Falta de condições de trabalho compromete ensino na Federal do Amazonas

Assim como em outras instituições federais de ensino, Ufam enfrenta problemas como falta de estrutura, materiais e espaços inadequados, denunciados pelos docentes da universidade

Trabalhar em um ambiente precário tem sido a rotina de muitos docentes das instituições de ensino no Brasil. No caso das federais, as denúncias acerca da falta de estrutura, espaços inadequados, com laboratórios sucateados e salas de aula insuficientes, entre outros problemas, aumentam e refletem a realidade das instituições públicas por todo o país. Entre as graves consequências, está o comprometimento da qualidade do ensino e da realização das atividades previstas, e a falta de valorização do profissional da educação.

Na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), os docentes denunciam problemas enfrentados no Instituto de Ciências Biológicas (ICB), como a falta de equipamentos e materiais, a precariedade dos laboratórios, que expõem os estudantes, professores e técnico-administrativos a condições insalubres, salas de aula inadequadas e insuficientes para a quantidade de alunos, entre outros. A implementação do Reuni – Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais em 2007 resultou na ampliação da oferta de vagas na Ufam, mas não houve planejamento para adequar os espaços da universidade e receber os novos estudantes, o que agravou os problemas.  

Com o aumento no número de vagas, a professora dos cursos de Ciências Biológicas, Farmácia e Medicina, Lúcia Makarem, se desdobra para preparar uma aula de qualidade e conseguir reunir a turma no laboratório de Embriologia, espaço onde ela ministra as aulas, realiza atividades práticas, faz atendimento aos estudantes e outros colegas de trabalho, em um único local. Na sala, há apenas duas fileiras de carteiras e os estudantes não podem retirá-las do lugar, para não comprometer ainda mais o uso do reduzido espaço. “Eu acabo fazendo uma aula teórico-prática aqui dentro. Só que com esse aumento absurdo de demanda, agora eu tenho de 30 a 35 alunos”, afirma. Antes do Reuni, Lúcia conta que tinha, no máximo, 25 estudantes por turma. “Depois do Reuni, não houve ampliação do espaço”, reclama.

A professora afirma que a situação tem comprometido a formação dos estudantes e a qualidade do trabalho dos docentes. “Sem falar que essa é uma disciplina que por vários anos eu tenho lutado para que ela tenha uma carga horária prática”, disse a especialista em Morfologia Humana, acrescentando que isso não ocorre por falta de condições objetivas para manuseio de feto. Atualmente, só é utilizado material anatômico feito de produtos descartáveis. Lúcia conta ainda que por vezes ministra aula em uma sala com janelas que substituem o basculante por papelão e com vidros cobertos por papel alumínio, além de não possuir sistema de refrigeração adequado. 

Há casos em que os próprios docentes se dispõem a tentar solucionar os problemas, como, por exemplo, na aquisição de materiais para poder ministrar aulas. Em 2013, durante quatro meses o professor do ICB Wallice Duncan conciliou as atividades de ensino, pesquisa e extensão com a função de mestre de obras. Depois de insistentemente pedir um local adequado para o trabalho, Duncan, com apoio de estudantes, decidiu ocupar uma área abandonada na própria unidade acadêmica, onde funcionava uma lanchonete, e fez melhorias no espaço para realizar as atividades de ensino e pesquisa na universidade. Junto com os alunos, preparou a massa para reboco, pintou as paredes da sala, instalou pia, fez reparos na rede hidráulica e elétrica, e até o transporte da mobília e dos equipamentos de pesquisa para o “novo” espaço.

“Nunca tivemos tantos alunos em torno de um microscópio”, ressalta o professor José Fernando Marques, chefe do Departamento de Morfologia – um dos quatro do ICB, revelando que não é somente a questão infraestrutural do Instituto que preocupa. A escassez de equipamentos também reflete diretamente na execução das atividades e na qualidade do ensino. “A dinâmica na sala não dá [com essas condições]. Não tem logística pra isso”, afirma. Marques ministra, nesse período, aulas de Histologia para duas turmas de Medicina, em um total de cerca de 60 alunos. 

O docente afirma ainda que o compromisso de muitos docentes com a universidade extrapola questões relativas aos deveres como servidor. “Você acaba tirando recurso de projeto ou mesmo do próprio bolso para comprar um produto de melhor qualidade e continuar o trabalho nas salas de aula”, afirmou. Marques citou o caso de uma professora que possui um saco com adaptadores para auxiliar no uso dos instrumentos nos laboratórios. “As tomadas não são compatíveis com os equipamentos. Ou o professor compra o adaptador ou não pode usá-los”, lamenta.

A professora Maria Inês Braga também enfrenta condições precárias na execução das atividades diárias. “Quando participei da seleção em 2009, encontrei as mesmas condições da época em que fui aluna: a mesma bancada, a mesma tela de projeção, o mesmo tudo. Nada tinha mudado”, disse. Inês conta, inclusive, que já teve crise alérgica durante as atividades didáticas no Laboratório de Histologia, onde ocorrem as aulas práticas. “Foi uma crise como eu nunca tive na vida, em virtude da presença de muito ácaro no ambiente”, lembra. No local, segundo ela, já foram encontrados até escorpiões. Na semana posterior à entrevista, o Laboratório foi interditado após a identificação de escorpiões no local.

A falta de equipamentos também está na lista das dificuldades enfrentadas pela professora. “Tenho uma turma com pelo menos 50 alunos de Medicina e não há sequer 15 microscópios funcionando, sendo que só cinco são novos. Ficam três, quatro estudantes por equipamento, enquanto o número de discentes só aumenta”, afirmou. Para realizar as atividades, a docente informa que seriam necessários 30 microscópios e 20 lupas, outro equipamento básico. No momento, só há disponíveis cinco lupas.

O que o ICB tem em excesso, na opinião da professora, é o comprometimento do corpo docente com a instituição, e, principalmente, com os estudantes. “O que há aqui é a boa vontade dos professores, que não se escondem atrás dos problemas. Nós queremos conseguir melhores condições, mais próximas do ideal, mas em compensação não usamos isso como desculpa para não desenvolvermos as nossas atividades”, concluiu.

Outros exemplos
O sucateamento das condições de trabalho e ensino também é latente no Laboratório de Anatomia, que recebe alunos do ciclo básico de todos os cursos das áreas de saúde e biológicas. “O espaço é um grande problema, pois os laboratórios não comportam o tamanho inflado das turmas. Temos um mobiliário extremamente precário e peças em oxidação, que oferecem riscos a alunos e professores. Além disso, o tanque de armazenamento de cadáveres está com problema no elevador, podendo romper-se e machucar a quem o estiver manipulando”, exemplificou o professor Jarbas Pereira, citando que um incidente dessa natureza já ocorreu com um técnico.

No local, os estudantes fazem higienização em uma pia sem acabamento sanitário. E como não há mobília adequada para a colocação de material pessoal, as mochilas ficam dispostas sobre as mesas onde deveriam estar os corpos a serem estudados. Some-se a isso o fato de as peças humanas estarem armazenadas em recipientes tomados por fungos.

De acordo com Pereira, os usuários do Laboratório estão expostos ainda às condições de insalubridade próprias deste tipo de ambiente, por conta do uso de produtos tóxicos como o formol durante as atividades. “A mitigação é complicada porque a estrutura do laboratório não é adequada, mas improvisada”, afirmou. Além disso, segundo Jarbas, a universidade também não tem cedido na quantidade adequada os equipamentos de proteção individual (EPIs) solicitados, como máscaras, óculos, luvas de procedimento e até jalecos descartáveis.

“Todos os anos fazemos a requisição para o semestre, mas nunca vem na quantidade solicitada”, disse, alegando que recebeu até o momento cinco caixas de luvas, quantidade suficiente para uma semana. “Os professores costumam comprar o restante”. “Também não recebemos o formol em quantidade suficiente para manter as peças. Ou seja, corremos o risco de perder peças valiosíssimas, pois não se consegue cadáver com facilidade”, acrescentou. Conforme Jarbas, o formol – utilizado na fixação e conservação do cadáver – está a ponto de descarte.

Possíveis melhorias
Pereira disse acreditar que a situação pode mudar com a entrega de um novo prédio específico para a área de anatomia. “Hoje nós temos um espaço adequado num laboratório novo cujo prédio está pronto há quase dois anos, mas que ainda não foi entregue”, disse. Entretanto, com o atraso na obra e a perspectiva de aumento nas vagas, ele teme que nem o novo espaço seja suficiente para atender a demanda.

Os docentes depositam esperança na melhoria “temporária” das condições, com a entrega dos dois novos blocos do ICB. “A nossa luta agora é para que o novo espaço seja entregue, para que os nossos problemas sejam momentaneamente resolvidos”, afirma o professor. As informações contidas na placa da obra dão conta de que o prazo da construção foi encerrado em 6 de abril de 2014.

Em nota enviada por meio da Assessoria de Comunicação à Adua, Seção Sindical do ANDES-SN, a Administração Superior da Ufam informa que o prazo da obra foi dilatado “a interesse da universidade e conforme previsão contratual, tanto devido a peculiaridades no processo de transporte dos materiais biológicos envolvidos na desocupação dos blocos, quanto pela necessidade de ajustes técnicos no projeto, alterando o cronograma inicial”. A previsão é que o 1º bloco seja entregue em agosto deste ano; e o segundo, em novembro. 

Os docentes também temem que os problemas voltem a se repetir em breve, pois o projeto de ampliação do Instituto é anterior ao Reuni, quando o ICB tinha outra realidade e, com a instituição do programa do governo, em 2007, e sua repactuação, em 2013, a demanda tende a aumentar.

De acordo com dados da Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (Proeg), há 603 graduandos matriculados no 1º semestre letivo de 2014, somente nos cursos oferecidos pelo ICB. O quantitativo é 42% maior em comparação ao 2º semestre de 2007, época em que o Reuni foi instituído. Naquela ocasião não havia o curso de Biotecnologia. Os números deste ano não incluem ainda os estudantes dos períodos iniciais de Medicina, Farmácia, Odontologia, Enfermagem, Educação Física, Fisioterapia, Psicologia, Zootecnia, Engenharia de Pesca, Agronomia e Engenharia Florestal que também estudam na unidade acadêmica. Pelas contas dos docentes, são mais de 1.000 alunos atendidos pelo ICB.

*Com edição do ANDES-SN 

Fonte: Adua – Seção Sindical