PNE reforça descompromisso do Estado com a Educação Pública

No mês de junho, foi sancionado pela presidente da República, Dilma Rousseff, o Plano Nacional da Educação para o decênio 2014-2024. Aplaudido pelo empresariado da educação e por todos aqueles que defendem a privatização do ensino, a avaliação meritocrática e a formação voltada aos interesses do mercado, o novo PNE foi rechaçado pelo ANDES- SN e demais entidades dos movimentos sindicais, sociais e populares que defendem a educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referendada, como direito inalienável da população. Para articular a luta frente a essa nova conjuntura e construir um contraponto ao PNE, as entidades que compõem o Comitê Executivo da Campanha pelos 10% do PIB para a Educação Pública, Já! realizarão em agosto, no Rio de Janeiro, o Encontro Nacional de Educação. Em entrevista ao InformANDES, a presidente do Sindicato Nacional, Marinalva Oliveira, faz uma análise do texto do novo Plano Nacional de Educação e a importância do engajamento dos docentes na realização do ENE e das ações que virão a partir do encontro. Confira.

Como o ANDES-SN avalia o PNE sancionado em junho?

Marinalva Oliveira: Desde o início da elaboração do PNE, o governo não mostrou disposição em discuti-lo com os movimentos sociais, entidades sindicais e estudantis que defendem a educação pública e gratuita de qualidade, pois o objetivo central era impor uma legislação para legitimar as políticas já em implantação, desconsiderando todas as propostas dos movimentos sociais. E isso já vem desde o primeiro PNE, na década de 90. Naquela época, o processo de discussão e elaboração do primeiro PNE gerou dois projetos antagônicos. O PNE da Sociedade Brasileira, elaborado com ampla participação das entidades científicas, sindicais e estudantis, movimentos sociais e outro como proposta oficial do governo FHC. No final de 2000, foi aprovado o PNE proposto pelo governo FHC, desconsiderando as proposições do PNE da sociedade brasileira. Este não é um Plano de educação pautado no princípio da educação como direito de todos e dever do Estado. Este PNE cumpre as exigências dos organismos internacionais e reafirma o projeto de educação que o governo vem impondo à sociedade como a transmutação da educação pública como um direito, para um serviço disponível no mercado. A política educacional expressa no Plano faz parte de um programa de governo, que foi instituído desde 2007 pelo Plano de Desenvolvimento da Educação. É uma legislação que retira da educação o caráter de direito social garantido constitucionalmente ao privatizar o espaço da educação pública através das Parcerias Pública Privada, com perspectivas limitadas às taxas de escolarização, e aprofunda a precarização do trabalho com expansão sem adequadas condições. Dessa forma, muda a proposta de investimento público em educação pública para “investimento público em educação”. Ou seja, permite que recursos públicos sejam repassados a toda e qualquer educação (empresas privadas, as ditas filantrópicas, etc.), desde a creche até a pós-graduação. Esses investimentos abrangerão escolas comunitárias e/ou ditas filantrópicas, direcionadas especialmente à educação infantil e especial; iniciativas como o Programa Universidade para Todos (Prouni), o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec); e programas de bolsas de estudos, incluindo o Ciência sem Fronteiras. Esse repasse provoca a redução dos recursos do Estado para a educação pública.

Em relação ao financiamento, muito foi divulgado sobre a destinação de 10% do PIB para a educação ser mantida no Plano, como uma forma de atender às demandas dos movimentos sociais. O que isso representa?

MO: A demanda da maioria dos movimentos sociais que defende educação pública e de qualidade é a destinação imediata de 10% do PIB para a educação pública. No PNE, além de destinar 10% somente para o final do decênio, o que não resolve o problema da falta de financiamento crônico pelo qual passa a educação pública, parte deste percentual será dividido com a educação privada através das PPP. Além do mais, o governo não define qual a origem da maior parte dos novos recursos, a não ser a pequena parte que será dos royalties. Problema que consideramos grave, tanto a falta de definição da origem dos recursos quanto a origem de parte destes recursos. Com a destinação dos recursos do Fundo Social do pré-sal, o governo negligencia o financiamento da educação, que é um direito que deve ser assegurado pelo Tesouro Nacional e não a partir de bens finitos. Essa estratégia se mostra, portanto, inconstitucional, pois a educação não pode ficar a mercê da privatização barata de um patrimônio do povo brasileiro, que é reserva natural e esgotável de petróleo. É importante ressaltar ainda que esse recurso poderá existir no máximo no médio prazo, pois as empresas exploratórias não terão lucro imediato, o que torna imprevisível o perío- do em que as empresas estarão aplicando o dinheiro do fundo. E caso os recursos venham, representarão apenas 0,4% do PIB em 2024. Desta forma, a nossa conclusão é que o PNE sancionado é uma legislação que atende aos interesses privatistas do empresariado da educação, aprofunda a precarização do trabalho docente e promove uma expansão sem adequadas condições que preservem a qualidade do ensino público, desde a educação básica até a educação superior, na perspectiva de se desobrigar do compromisso do financiamento da educação pública.

O PNE reforça o produtivismo, reafirmando a avaliação e a valorização da remuneração do professor, nos diferentes níveis de ensino, através de metas. Como você vê essa medida?

MO: Esta forma de instrumentalização da educação básica e superior – reforçada pelo PNE -, adaptando a força de trabalho às exigências do processo produtivo, faz parte do projeto de educação do governo. A remuneração dos professores deve se basear em um piso salarial como base e uma carreira estruturada em princípios e critérios claros, definidos em lei, pauta- dos na formação continuada e tempo de serviço. A obrigação do governo é criar condições adequadas de recursos e possibilidades para os professores trabalharem, em sua maioria em regime de tempo inte- gral e dedicação exclusiva. A consolidação da qualidade para o ensino exige condições essenciais para o trabalho docente como carreira, estabilidade no emprego.

E o que o ANDES-SN defende?

MO: O ANDES-SN é um dos protagonistas da elaboração do Plano Nacional de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira, que é a nossa referência estratégica na definição de políticas públicas educacionais. Nós defendemos que seja destinado imediatamente 10% do PIB para a educação pública e gratuita em seus diferentes níveis e modalidades, uma vez que este é um direito social inalienável da população brasileira e não um serviço ou uma mercadoria. Assim a educação é dever do Estado, compete a ele garantir, por meio do ensino público e gratuito, o atendimento pleno das demandas sociais por educação, em todos os níveis, etapas e modalidades. Isto tudo é compromisso fundamental do poder público.

E como o movimento está se organizando para o enfrentamento dessa nova conjuntura?

MO: A nossa avaliação é que precisamos fortalecer uma ampla articulação no interior da sociedade, agregando os movimentos sociais, populares e sindicais em educação, para construir uma pro- posta alternativa a que vem sendo empreendida pelo governo. O ANDES-SN, a CSP-CONLUTAS, Sinasefe, Anel e Oposição de Esquerda da Une, Cfess, Fenet, Exneef, além de outras entidades, estão construindo o Encontro Nacional de Educação (ENE), articulado a partir do Comitê Executivo da Campanha pelos 10% do PIB para a Educação Pública, Já!, que será realizado em agosto, no Rio de Janeiro. O objetivo principal do Encontro é fortalecer a ampla articulação das forças sociais, construindo uma proposta alternativa a que vem sendo empreendida pelo governo, com elementos para contribuir na direção de uma política de Estado efetiva para a educação pública, a mobilização e o fortalecimento da categoria para a luta contra políticas governamentais, que vêm sendo implementadas, propositalmente, de forma fragmentada, no sentido de aprofundar a mercantilização da educação e a precarização das condições de trabalho e ensino. Antecedendo o Encontro Nacional, os estados estão realizando os encontros preparatórios, que deverão reforçar a proposta alternativa de educação para a sociedade brasileira defendida pelo ANDES-SN.

Texto original Jornal InformANDES

Fonte: Andes-SN