Discriminação racial: as vivências de professores negros

 

“Sofri racismo desde a primeira vez que entrei na sala de aula, ou seja, desde a pré-escola. O massacre, inclusive, foi   maior ainda por parte dos meus professores e funcionários da escola do que dos meus próprios colegas”. O relato do professor Antônio Carlos Moraes, do Departamento de Educação Física da Ufes,  expressa bem o sofrimento que ele enfrentou ainda na infância.

2PROF ANTONIO CARLOS MORAES 1Aos 11 anos, Antônio Carlos já trabalhava na oficina mecânica, ao lado do pai. Aos 14 anos, já tinha carteira de trabalho assinada. De família humilde e na lida do trabalho bruto, Antônio Carlos diz que viu nos estudos a única chance para mudar de vida. E ele teve como aliada a mãe, dona Geni, que não admitia desânimo, mesmo quando ele era vítima de discriminação.

“Quando relatava meu sofrimento, ela dizia: a vida é assim mesmo, você tem que se acostumar com isso,  não se deixe abater por esse tipo de coisa”, lembra. Hoje, Antônio Carlos é um conceituado professor universitário. Possui  cursos de Mestrado e Doutorado na área de Educação e faz pós-doutorado em Filosofia na Universidade do Porto, em Portugal.

“Infelizmente quanto mais escura a cor da pele, menos oportunidades de emprego, de saúde, de educação. O inverso também é verdadeiro: quanto mais clara a cor da pele, mais renda, mais educação, mais oportunidades”, diz Antônio Carlos.  Ele reconhece, no entanto, que nos últimos anos, a quantidade de alunos negros nas instituições de ensino superior aumentou.  “Apesar de ainda ser discrepante em relação a quantidade de alunos brancos”.

4prof Tatiana da Silva SouzaRelatos parecidos. E as histórias de professores que são negros na Universidade Federal do Espírito Santo não são diferentes. A exemplo de Antônio Carlos, eles também  enfrentaram  racismo em suas vidas (profissional, escolar e  até mesmo no dia a  dia de hoje).  Tatiana da Silva Souza, 34 anos, bacharel e licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), com Mestrado e Doutorado na área de Biologia Celular e Molecular,  está na Ufes desde 2010.

Lotada no Departamento de Biologia do Centro de Ciências Agrárias (CCA), em Alegre, no sul do Estado, Tatiana diz que já passou por diversas situações de racismo, como por exemplo, de pessoas estranharem quando ela diz ser professora universitária. “O racismo existe em todos os setores da sociedade, infelizmente é uma herança da época da escravidão. Hoje, a desigualdade social e a falta de oportunidades de grande parte da população refletem esse passado”, avalia.

O racismo, lembra Tatiana, pode se manifestar de diversas formas, velado ou não, mediante agressão verbal e/ou física, reforço de estereótipos ou quando há negação de direitos. “No meio acadêmico, nunca sofri (pelo menos não explicitamente) ou presenciei nenhum caso de racismo, mas as notícias nos meios de comunicação não faltam”.

3PROF SANDRO JOS DA SILVA 1Mês da Consciência Negra.  E como toda data específica para comemoração e análise de uma temática social, o mês da consciência negra tem a sua relevância por revelar a luta do povo negro para garantir seu espaço na sociedade. Porém, muitas dessas conquistas incomodam o senso comum, diz o professor do Departamento de Ciências Sociais, Sandro José da Silva, 46 anos, e com 10 anos de Ufes. Uma dessas conquistas, afirma Sandro, é o sistema de cotas que amplia o acesso de homens e mulheres negras (os) ao ensino público superior.

“A universidade é um espaço público e as vagas também”, pontua o docente. No entanto, segundo ele, tanto as cotas sociais quanto as raciais são extremamente maus vistas. “Não há uma cultura na universidade da promoção da igualdade racial”, completa.  Doutor em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Bacharel em Ciências Sociais pela Ufes, Sandro desenvolve projetos de pesquisa e extensão sobre relações étnico-raciais, patrimônio cultural e Direitos Humanos.

Ex-aluno de escola pública, de família de baixa renda, Sandro teve que estudar à noite para realizar o sonho de se tornar um professor.  O então desenhista industrial conseguiu concluir o ensino superior graças a bolsas de estudos. “Larguei o emprego e me dediquei de corpo e alma ao curso. Mas, infelizmente, na universidade a gente sente uma certa solidão, porque os colegas negros que até então estavam com você no ensino médio já não estão mais ao seu lado e isso vai aumentando no mestrado, no doutorado”.

5PROFESSOR EDMILSON COSTA TEIXEIRA 1Educação e Políticas Públicas. Na avaliação do professor Edmilson Costa Teixeira, do Departamento de Engenharia Ambiental da Ufes, o racismo ainda está presente e contextualiza os espaços da universidade. A saída, apontada por ele, é Educação e Políticas Públicas voltadas para esse público. Para Edmilson, com discussões e projetos bem elaborados é possível combater o preconceito racial que existe na sociedade, e também no ambiente escolar.

 “A criança não tem esse problema de raça. Ela vai cultivando isso à medida que vai crescendo”, pondera. Na avaliação de Edmilson, a escola deve mostrar para os alunos os verdadeiros valores humanos. Para ele, é preciso conscientizar sobre a desigualdade racial. Lembrar os estudantes que as pessoas, indistintamente, têm corpos e almas. “Que nós, sem exceção, vamos para o mesmo lugar quando morrermos. E quuando um negro, ou qualquer pessoa, é desrespeitado em sua dignidade, toda a humanidade está sendo destruída”, ensina.

Para o docente, que é chefe do Laboratório de Gestão de Recursos Hídricos e Desenvolvimento Regional (LabGest),  é preciso trabalhar os conteúdos que visam o aguçamento da capacidade crítica dos estudantes e seu possível engajamento nas causas de enfrentamento ao racismo, ao machismo, à homofobia e a todos as formas de opressão e injustiças.

E ele ainda acrescenta: o  racismo não ocorre só entre brancos contra negros, ou  negros contra brancos.  “Este é o racismo normal. Mas existe também o preconceito dentro da nossa própria raça” garante, se referindo a estratificações decorrentes da condição social e dos diferentes tons de pele da população negra.

1prof Ana ClaudiaDemitida por ser negra. A diretora da Adufes, Ana Cláudia Campos Wenceslau, também é negra e conta que  sempre foi encorajada  pela mãe,  professora de ensino fundamental, a estudar. Entrou na universidade na quarta tentativa em 1995 para cursar Biblioteconomia. Numa turma de 20 alunos, havia apenas quatro negros e apenas dois concluíram o curso. “O racismo que eu sofri foi sempre “entre linhas”, ninguém falava abertamente, mas sempre havia um olhar atravessado”, garante.

Ela lembra, inclusive, que quando ainda estudante foi contratada para trabalhar como auxiliar na organização de documentos de um escritório de direito. Não ficou três dias. “O advogado, um dos sócios, quando viu que a estagiária era negra, mandou me demitir. Na época fiquei sem saber o que tinha feito de errado, mas depois, sondando alguns colegas descobri que foi discriminação”, recorda, ressaltando em seguida, que em muitos casos fica difícil comprovar o crime de racismo.

Integrante da Pastoral do Negro e de outros movimentos negros, Ana Cláudia  afirma que está empenhada em reativar o Grupo de Trabalho (GT) de Etnia, Gênero e Classe da Adufes.  “Precisamos promover um amplo debate em torno desse tema, não só em momentos críticos como o que presenciamos algumas semanas atrás aqui na Ufes, mas criando fóruns permanentes para discussão de vários assuntos polêmicos”, diz.

De acordo com Ana Cláudia, alguns professores vêm tentando promover esse debate em sala de aula, mas são iniciativas ainda isoladas, e concentradas geralmente nos cursos da área de Ciências Sociais Aplicadas. “A universidade não discute os grandes temas sociais como racismo, homofobia, mulheres, entre outros. A instituição precisa estimular o debate, ajudar a comunidade refletir sobre o projeto de sociedade que estamos construindo”, conclui a docente.