Recorde de abstenção no Enem revela sua perversidade e interesses privados

O segundo dia de prova alcançou índices de ausência ainda maiores que o primeiro e terá consequências de curto, médio e longo prazo

O primeiro dia de prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) teve abstenção recorde de 51,5% e o segundo dia foi ainda pior, atingindo a marca de 55,3%, segundo dados preliminares do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Dos mais de 5,5 milhões de inscritas/os, apenas cerca de 2,4 milhões compareceram. Candidatas/os relataram salas lotadas, não sendo cumprido o distanciamento mínimo recomendado e outras/os foram impedidas/os de fazer a prova quando as salas atingiram 50% da capacidade.

Em meio a esse caos, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que para quem fez a prova, foi um sucesso. Disse ainda que a “abstenção é compreensível, mas não é justificável”. O presidente do Inep, Alexandre Lopes, tentou explicar alegando que a decisão de fazer a prova é individual. Para ele, “o que importa de fato para o Inep é assegurar a oportunidade de quem quer fazer o Enem poder fazer”.

A presidenta da Adufes, Ana Carolina Galvão, questiona: “quem é que pode fazer?”. Para ela, a decisão está muito além do plano individual. “O ministro e o presidente do Inep desconsideram a realidade do país em meio à pandemia, os riscos a que submeteram os estudantes e escancaram uma visão social meritocrática, elitista, irresponsável e privatista”. Ana destaca que o fracasso do Enem terá efeitos por anos seguidos, produzindo a exclusão de milhares de estudantes das universidades públicas.

Incompetência calculada. A insistência de realização do Enem em meio à pandemia não é apenas uma queda de braço negacionista do governo federal ou somente incapacidade de planejamento adequado. Ao defender a posição de realização do Exame, o ministro da Educação afirmou no último domingo, 24, que os empresários do ensino superior privado “não aguentariam mais um semestre sem mensalidade”. Para a presidenta da Adufes, “essa é uma expressão dos interesses em jogo, mas que não se restringem ao pagamento de mensalidades, apenas”.

Além do aprofundamento da elitização do ensino superior, considerando que mais de 70% das/os estudantes das instituições federais é de baixa renda (dados da Andifes, 2019), o ingresso no ensino superior público sofrerá queda. “Certamente, entre a maioria dos ausentes à prova do Enem estão os mais vulneráveis, seja pela falta de condições de estudo durante a pandemia e/ou por terem sido mais afetados pela Covid-19. Nós sabemos que a pandemia tem classe , gênero e raça”, afirma Ana.

Diante desse cenário, as instituições públicas de ensino superior podem ter menos procura –  o que fortalece o discurso privatista de que não são importantes – e/ou ficarão ainda mais inacessíveis às/aos trabalhadoras/es. Por isso, Ana destaca que “de qualquer modo, é prato cheio para o ataque às/aos servidoras/es e serviços públicos”.

Implicações do adiamento do Enem. Defendendo a manutenção da aplicação da prova, o Inep afirmou que “reorganizar um calendário a [sic] nível de Enem, é fragilizar e colocar em risco políticas públicas dele decorrentes”. O argumento não se sustenta. No caso das instituições privadas, elas retornarão em fevereiro, sem o resultado do Exame. Logo, não se justifica esse apressamento. A maioria das instituições públicas, por sua vez, só retomou as atividades de ensino (de forma remota) no segundo semestre de 2020, o que significa que o ano letivo 2021 só terá provável início no final de 2021 e que não haveria maiores implicações no adiamento do Enem.

Consequências para a Ufes. A gravidade da pandemia, o fato de o Brasil ser o segundo país do mundo em número de mortes pela Covid-19 e todas as consequências a crise sanitária que vivemos não é culpa da população. “Não há planejamento adequado, investimento onde precisa, informação científica, além da ausência de um empenho diplomático do Brasil em relação aos  outros países, com desdobramentos desastrosos. Realizar o Enem em meio a tudo isso é tentar passar um verniz de normalidade da vida no quadro dramático que vivemos. É cruel e perverso”, finaliza a presidenta da Adufes.

A Adufes procurou a Prograd para comentar sobre o adiamento do Enem mas não obtivemos resposta até o fechamento da matéria”.

 

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