Roda de Conversa apresenta trajetórias de pessoas surdas e a relação com a Ufes

Evento “Ser surdo na universidade: acessibilidade, inclusão e políticas linguísticas” aconteceu nessa terça, 27

Nessa terça-feira, 27, a Adufes realizou um evento em alusão ao Dia Nacional da Pessoa Surda, lembrado em 26 de setembro. Foi a Roda de Conversa “Ser surdo na universidade: acessibilidade, inclusão e políticas linguísticas”. Durante o evento, que ocorreu na sede do sindicato, em Goiabeiras, Vitória, pessoas surdas contaram suas trajetórias de vida e a relação com a universidade. 

O professor Ademar Muller (CCHN).

Pessoas ouvintes e que não compreendem a Língua Brasileira de Sinais (Libras) acompanharam o debate por meio dos intérpretes Cassio Oliveira e Claudia Vieira. Foi a primeira vez que a Adufes promoveu uma atividade nesse formato: pessoas surdas como protagonistas da discussão. O sindicato tem realizado diversas ações de promoção da acessibilidade. 

“Se vamos promover acessibilidade, temos que ter um ambiente que acolha essas pessoas, pois elas precisam se sentir parte da Adufes. Como os docentes, que são surdos, que estão na Universidade conosco, vão se sentir parte? A partir do momento que for feita essa acolhida. Acredito que esse evento vai ser um divisor de águas para a participação dos surdos na entidade”, destaca a secretária-geral da Adufes, Aline Bregonci, que mediou a roda de conversa. 

A noção de mundo foi construída por e para pessoas ouvintes, e nessa lógica as pessoas surdas enfrentam diversos desafios e têm que lutar por acessibilidade, visibilidade e inclusão. Durante a roda de conversa, os professores Daniel Junqueira (Ceunes) e Ademar Muller (CCHN), e a professora Eliane Bruim (redes estadual e municipal de Vitória), contaram as suas trajetórias de vida, a relação com a universidade e os desafios enfrentados.

Clique aqui e assista à Roda de Conversa.

A luta segue desde a infância! O professor Ademar contou que começou a ter contato com as línguas de sinais com 7-8 anos de idade. “A gente criava espaços alternativos como forma de produzir momentos de comunicação”, disse. 

O professor reforçou que a luta seguiu até a Universidade. Quando tentou o mestrado, foi preciso lutar para que a acessibilidade em Libras fosse garantida, e também enfrentou desafios quando entrou para o quadro funcional da Ufes, citando como exemplo os colegas que não sabiam se comunicar com ele.  

 

O professor Daniel Junqueira (Ceunes).
A professora Eliana Bruim.

Identificação! A luta das pessoas surdas passa também pela identificação. O professor Daniel Junqueira explicou que o primeiro contato que teve com outras pessoas surdas foi quando tinha entre 18 e 19 anos. “Eu estava com o meu irmão na Praia da Costa (em Vila Velha), e o meu irmão viu um grupo de surdos e eu “Ah, legal”. O meu pai me pegou pelo braço e puxou: vai ter contato com surdo, sim. Foi a partir dali que eu passei a ter contato. Esse contato foi  crucial para a mudança da minha vida. Marcou aí, portanto, a abertura de uma nova fase da minha vida. Peguei o celular dos surdos, vi que os surdos tinham carro, existiam, casavam, trabalhavam, se comunicavam”, conta. 

A professora Eliane também contou a sua trajetória de vida, e ela ressaltou que não se entendia como surda, e “assim como o Daniel, eu também não tinha contato com surdos”. Ela ressalta que finalizou a graduação em História, na Ufes, e foi atuar como professora na rede estadual, mas até aquele momento não compreendia a língua de sinais e não tinha contato com pessoas surdas. Foi então que estudou libras e passou a ter um contato maior com a comunidade.

Ademar e Daniel são formados em Letras-Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), na modalidade a distância. À época, a Ufes (campus Goiabeiras) era o polo de ensino, e as atividades do curso, tanto do bacharelado quanto da licenciatura, começaram em 2008.  A primeira turma de  Letras-Libras – Bacharelado em Tradução e Interpretação da Ufes é de 2014. Ambos são mestres pela Ufes. Daniel é doutorando pela Ufes e Ademar pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). 

A professora Eliane é egressa do curso de História da Ufes, e finalizou a graduação em 1999. É mestre e doutora pela mesma instituição. 

Artes e cultura 

O evento contou com uma exposição de telas da artista plástica surda Claudile Sabino, cuja obra é marcada pela sua condição de pessoa surda negra e mulher trans. Ela também contou sobre a sua trajetória de vida na universidade (cursos de Pedagogia, Arquitetura e Urbanismo e Artes Plásticas) e a sua relação com a arte. “Encontro na arte uma forma de expressão para poder demonstrar a minha vocação”, disse. 

As obras da artista ficaram expostas nas paredes da Adufes, e têm uma marca importante, que é cacto, que para Claudille representa resistência. Confira as fotos das obras: 

A egressa do Curso Letras-Libras da Ufes, Raphaella Assis, também participou da Roda de Conversa e contou a sua trajetória, que assim como a dos demais integrantes, também enfrentou dificuldades de acessibilidade e teve um contato tardio com a Língua de Sinais, com 15-16 anos. Ela conta que, ao finalizar a graduação na instituição, começou a descobrir outras áreas, como o turismo e o teatro, e tem se aprofundado no protagonismo surdo no teatro. 

A artista plástica Claudile Sabino.

Durante o evento, Raphaella realizou uma performance de slam (performances poéticas que podem ser compostas entre a língua portuguesa e a língua de sinais) com a interpretação de Cláudia Vieira. 

Estudantes do curso de Letras-Libras e egressos também realizaram apresentações durante a abertura do evento. 

Setembro azul 

O mês de setembro reúne diversas datas com relevância para a história da educação das pessoas surdas e para a comunidade e por isso foi criado o “Setembro Azul”, lembrando as lutas e conquistas da comunidade surda no Brasil e no mundo. O movimento busca manter viva a Língua de sinais e a Cultura Surda, além da busca incessante pelo direito à educação de qualidade.

Raphaella durante a apresentação de slam.

Luta

Durante o evento, também foram feitas manifestações de repúdio à Lei Nº 6.722/2022, aprovada pela Câmara Municipal de Vila Velha. Proposta pelo vereador D’Orleans Sagais, a matéria foi aprovada por unanimidade.

O texto versa sobre o direito da pessoa surda ser acompanhada por tradutores intérpretes em atendimentos na área de saúde e na esfera jurídica, mas, a lei isenta o prestador do serviço, público ou privado, da responsabilidade de contratação de tradutores intérpretes, depositando a responsabilidade da contratação às pessoas surdas. A Adufes divulgou uma nota de repúdio sobre a situação. Clique aqui e confira. 

Acessibilidade na Adufes

A secretária-geral da Adufes, Aline Bregonci, reforçou durante a atividade que a Adufes segue o compromisso com a acessibilidade nos espaços e eventos do sindicato, que contam com intérpretes.  

Sobre a acessibilidade para as pessoas surdas que usam aparelhos auditivos, ela destacou que o sindicato irá comprar um aro magnético, que é um recurso tecnológico que melhora a captação de som no ambiente. 

O evento foi promovido em articulação com o Grupo de Trabalho Política de Classe para as Questões Étnico-Raciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS) da Adufes, e a atividade está em consonância com os Textos Resoluções (TRs) aprovados pelo Andes-SN no 65º Conad (realizado este ano).  

 

Fotos: Sérgio Cardoso. 

Adufes