Com direito a bandinha e marchinhas próprias, o ato foi bem alegre e pediu o fim dos manicômios e do encarceramento de pessoas com transtornos mentais.
De forma irreverente, o bloco “Que loucura!”, criado pelo Fórum Capixaba em Defesa da Saúde Púbica, percorreu várias ruas de Vitória na manhã do último sábado. “Manicômio não ajuda ninguém, só piora”, desabafou a dona de casa E. L, que aos 12 anos diz ter conhecido o ‘inferno’. “Lá, no manicômio, vi coisas do arco da velha. Tive que conviver com criminosos, drogados, uma tristeza só. E todos são tratados da mesma forma, como loucos”, garante.
Com 57 anos, E.L passou pelo antigo hospital Adalto Botelho, em Cariacica, e Clínica Santa Angélica, no Parque Moscoso, também desativada. Vítima de estupro quando criança, a dona de casa afirma que jamais conseguiu recuperar o trauma. “Não conseguia dormir, comer, me relacionar de novo com as pessoas. Fiquei perturbada mentalmente e sem saber o que fazer minha família me internou”, relembra.
As lembranças dos confinamentos e do estupro, ela quer esquecer. “Não quero que ninguém passe pelo que vivi. Me chamaram de doida, mas na verdade a dor que sentia é que era muita e não sabia lidar com ela”, diz.
Hoje, E.L frequenta o CAPS(Centro de Atenção Psicossocial). “tenho acompanhamento médico e psicológico, participo das oficinas terapêuticas e tudo isso me ajuda a ocupar a mente, a não pensar em besteira”, finaliza.
“Que Loucura! ”. E foi pelas ruas do Centro de Vitória, que E.L.e outros usuários, funcionários e militantes da área de Saúde Mental do Estado desfilaram no último sábado. Num protesto político bem animado, o ato contou com a participação de familiares e de diversos movimentos sociais, entre eles a Adufes. Os integrantes do bloco “Que loucura!” conversaram, cantaram, dançaram e brincaram por uma vida sem manicômios, em que a diferença seja possível.
“Nada de trancafiar, de roubar o direito de ir e vir das pessoas. Aqui temos pessoas com muitas histórias, que estão defendendo o direito a uma vida mais saudável ao lado daqueles que amam e , e principalmente do direito a um tratamento que busque não apenas a cura, mas o cuidado integral, acolhedor e sensível”, ressaltou a auxiliar de Serviço Médico Ieda Constantino.
Sem precisar fazer nenhum convite direto, o bloco atraiu desde os curiosos que apenas espiavam de longe até os que faziam questão de entrar na brincadeira. O protesto começou na Praça Oito, seguiu animado pelas avenidas Jerônimo Monteiro e Duque de Caxias, indo se dispersar no início da tarde na Praça Costa Pereira.
O taxista Renyson Nunes, que faz ponto na Costa Pereira, se juntou aos manifestantes. “Se desejavam ser vistos e lembrados, sem sombra de dúvidas conseguiram. De forma animada, o bloco trouxe para as ruas a discussão de unidades retrógradas como os manicômios e clínicas psiquiátricas”, disse.
Os manifestantes aproveitaram o protesto para reivindicar investimentos e ampliação na Rede de Atenção Psicossocial do Estado e valorização profissional. O “Que Loucura!” chamou atenção para os maus tratos e mortes em instituições asilares que ainda funcionam no Espírito Santo. Caso da Clínica Santa Isabel, em Cachoeiro de Itapemirim, e o HEAC (antigo Hospital Adalto Botelho, em Cariacica). O bloco também fez críticas ao Programa do Governo do Estado denominado de “Rede Abraço”, considerado como um projeto eleitoreiro e que facilita internações de usuários de drogas em comunidades terapêuticas, em detrimento a outras formas de atendimento previstas em lei.
De acordo com o estudante de psicologia da Ufes e integrante do Fórum Capixaba em Defesa da Saúde Pública, José Anésio Fernandes, a luta é pelo cuidado em liberdade. “Estar nas ruas contra os manicômios e por melhorias nas suas alternativas, é uma experiência pedagógica. A gente vai aprendendo a não aceitar mais essa sociedade sem direitos, sem liberdade e desigual”, defendeu Anézio.
Fonte: Adufes