Mesa de abertura do Seminário Nacional do MML discute o papel das mulheres nas lutas pela classe trabalhadora e necessidade de ações contra a violência. Debate acerca de importantes greves pelo país revelou o quanto a violência ainda é recorrente contra as mulheres no trabalho. Neste fim de semana (16 e 17), em São Paulo, no auditório do Sinsprev (Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência no Estado de São Paulo), aconteceu o Seminário Nacional do Movimento Mulheres em Luta (MML), com a presença de delegações vindas de diversas regiões do país.
Após o credenciamento e a organização de painéis com fotos e informações sobre as mobilizações dos muitos diretórios do MML de outros estados, a ativista palestina da Frente em Defesa do Povo Palestino e Movimento Palestina Para Tod@s, Soraya Misleh, abriu as atividades compartilhando a história de luta das mulheres palestinas que sempre estiveram na linha de frente em defesa de seu povo e de seus direitos.
“Já antes do século XIX, as mulheres palestinas iam às ruas contra o projeto sionista. Em 1948, tínhamos uma Brigada de resistência formada só por mulheres. Hoje, com a perspectiva de uma terceira Intifada, elas continuam nas barreiras de frente nas manifestações”, disse, complementando que, assim como aqui, a resposta dos governos é sempre mais violenta contra as mulheres. “O estupro sempre foi utilizado como ferramenta de terror e limpeza étnica na Palestina. Ainda hoje os homens pensam e agem assim”, concluiu.
O plenário se emocionou com o discurso e o calor inicial já indicava que o primeiro dia de atividades seria forte e transformador para todas as presentes.
Na mesa de abertura, que teve como tema “Nas greves e lutas combatendo o machismo, a violência e a exploração”, fizeram parte Camila Lisboa, Sofia Costa e Bárbara Della Torre, mulheres protagonistas, respectivamente, nas greves do Metrô e das universidades públicas estaduais de São Paulo, e dos Rodoviários do Recife.
Camila Lisboa, uma das metroviárias demitidas e membro da Secretária Executiva Nacional da CSP-Conlutas, avaliou o período das lutas vivenciado de junho de 2013 para cá, e disse estar certa de que as mudanças são muito significativas e ainda trarão muitos resultados para o cenário político e social. “Muitos acreditaram que as manifestações de junho seriam apenas uma brisa, um vento que perderia a força com o tempo, mas o tempo só mostrou que o modelo de desenvolvimento econômico sofreu uma saturação, e as pessoas não aceitam mais a falta de qualidade nos serviços públicos”.
Camila ainda citou que as greves no setor rodoviários, de Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza, o próprio serviço público, o exemplo dos garis, que não tinha histórico de mobilização, só confirmam “mudanças profundas que se revelam, inclusive, nas campanhas eleitorais de candidatos que se apresentam como o signo da mudança”.
Bárbara Della Torre, do Comando de Greve da USP, complementou o cenário exposto anteriormente pela companheira metroviária, e frisou que outros importantes serviços públicos que têm sido sucateados são o ensino público e a saúde no estado de São Paulo. “Posso aqui falar sobre a greve no HU, que há 19 anos não articulava paralisação, e dizer que a maioria dos grevistas é composta por mulheres, e que elas não exigem somente negociações salariais, mas lutam contra a precarização da vida. Os hospitais ligados a esta que é uma universidade de excelência, são verdadeiras máquinas de fazer gente doente”, salientou.
A determinação em prosseguir com a luta, mesmo sob forte pressão e punição por parte da administração e dos governos, é evidente nas falas das participantes da mesa. Bárbara compartilha um momento em assembleia quando uma grevista informou ter recebido apenas R$ 600 de salário, afirmando que ainda assim continuaria mobilizada contra a privatização dos serviços públicos e os planos do governo de desvincular a unidade da USP, perdendo de tal modo a autonomia e muito mais qualidade.
Outra expressão desta determinação foi o relato da rodoviária do Recife, Sofia Costa. A militante contou que durante a greve sofreu ameaças de morte e quase foi agredida por 30 homens ligados ao Sindicato dos Rodoviários de Recife que, anteriormente, era filiado a Força Sindical. “Os pelegos me ameaçaram de surra, e eu não tive medo, não. Liguei para o 190 e prestei queixa. Agora, vencemos a tentativa de uma eleição fantasma, que ignorava a nossa chapa de oposição pela filiação à CSP-Conlutas, e seguimos lutando contra as condenações de greves ilegais”, contou.
As experiências compartilhadas serviram de constatação: as mulheres têm protagonismo nos movimentos e ainda precisam superar mais dificuldades vinculadas a questão de gênero.
Para Bárbara, “as mulheres são as que mais sofrem assédio moral no trabalho”. Camila expressa a necessidade de considerar a mulher em diferentes eixos de lutas, pois ela sofre “com a violência, o assédio no trabalho, nos transportes públicos, nos hospitais”, e Sofia Costa é o próprio exemplo de como o gênero ainda é um motivo a prosseguir com as campanhas e mobilizações, dizendo que é uma das poucas rodoviárias mulheres no Recife, e como o simples fato de ser mulher encoraja homens a ameaçarem de modo escancarado as que participam ativamente nas ações.
Lei Maria da Penha é questionada em atividade do Seminário Nacional do MML; Campanha do Contra a Violência à Mulher deve continuar
A advogada da CSP-Conlutas, Eliana Ferreira, orientou, com dados e informações jurídicas, a segunda mesa do 1º dia do Seminário Nacional, que teve como tema “Basta de Machismo e Violência: nossa luta está apenas começando”. A exposição contou também com Kátia Sales e Letícia Pinho, ambas da Executiva Nacional do MML.
Tendo como início o ano de 2013, a Campanha Nacional Contra a Violência à Mulher Trabalhadora assumiu importantes debates na sociedade e realizou campanhas que tiveram atenção até mesmo da mídia. Kátia fez um balanço das atividades do MML e frisou algumas ações de destaque como a campanha contra o turismo sexual na Copa, as ações de solidariedade às meninas sequestradas na Nigéria pelo grupo Boko Haram, e a ação “Não me encoxa que eu não te furo”, contra o assédio sexual no transporte público. “Todo este nosso histórico de mobilização só nos mostra o quanto ainda é necessário seguir com a campanha e ampliá-la de modo a denunciar casos de violência contra a mulher. Se ainda há denúncias, ainda há necessidade de combater esses abusos”, disse Kátia.
Para embasar este cenário alarmante, a advogada Eliana apresentou dados gritantes a respeito do assunto, e ainda salientou que a Lei Maria da Penha, que ainda apresenta brechas e fragilidades, é uma exigência ao governo Lula, e não uma iniciativa como o estado e a mídia costumam vender. “Esta lei só surgiu com a condenação da OEA diante do caso de Maria da Penha. Após 19 anos depois do delito que seu ex-companheiro foi detido. Esta não é uma iniciativa de política pública do governo, e sim uma resposta a uma condenação que ainda não está longe de ser considerada satisfatória”, explicou.
De acordo com os dados apresentados, das agressões sofridas pelas mulheres, 55,24% é física, 29,46% psicológica, 10,22% moral. A violência é praticada por 83,81% por pessoas que possuem relação afetiva com a vítima, e 10,59% por familiares.
“O Brasil fica em sétimo lugar no ranking mundial de homicídio feminino, é muito pior que um resultado de 7×1 numa partida de futebol”, ironiza a advogada.
Além das estatísticas, a outras constatações sobre a ineficiência da Lei Maria da Penha sobretudo no que diz respeito ao atendimento das mulheres vítimas de violência. Segundo Eliana, não há juizados especializados o suficiente espalhados pelo país e as que buscam ajuda são recebidas por policiais que, habitualmente, “a tratam como as culpadas do assédio sofrido, fazendo perguntas como ‘o que fazia tão tarde na rua?’, ‘por que utilizava esta roupa?’, ‘o que fazia para isso acontecer?’, etc”.
Letícia Pinho colocou então tais dados como um guia para os eixos a serem trabalhados pelo movimento no próximo período, tendo em vista que os temas são fragmentos a serem incorporados na já instalada Campanha Nacional Contra a Violência à Mulher. “Precisamos tirar deste encontro informações concretas para projetarmos nossas exigências na luta. Se há uma pauta concreta que exige 10% do PIB para a educação, precisamos saber quanto do orçamento precisamos para aperfeiçoar a lei que já temos de modo a atender as necessidades de maneira mais adequada”, exemplificou.
Sobre o orçamento para o aprimoramento da Lei Maria da Penha, ainda não há informações exatas. Mas Eliana deixou como questionamento um revoltante dado que pode servir de motor para as ações e cobranças futuras do Movimento. “O que temos de orçamento para as mulheres é 0,0057% de tudo o que é destinado aos banqueiros. Temos, então, a certeza de que se há um grupo muito bem protegido pelo governo não são as mulheres”, finalizou.
Após a segunda mesa do dia, todas as presentes se dividiram em grupos para discutir 5 eixos temáticos que serão parte das mobilizações do Movimento: violência sexual, violência doméstica, a vida nas cidades, as relações de trabalho e a violência do Estado.
Fonte: CSP – Conlutas