Frente ao maior genocídio étnico e cultural do país, 40 lideranças Guarani-Kaiowá pediram agilidade das demarcações dos órgãos governamentais e denunciaram os frequentes ataques e violações impetrados pelo Estado brasileiro nos dias 15, 16 e 17 em Brasília.
Cheios de expectativas, com suas rezas e danças na tentativa de sensibilizar os ministros, os indígenas acamparam em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), na tarde de quarta-feira (15), onde passaram a noite em vigília contra uma decisão do STF que poderá inviabilizar os processos demarcatórios das terras Guarani-Kaiowá. A decisão é referente à Terra Indígena Guyraroká, localizada próximo ao município de Dourados, no Mato Grosso do Sul.
Os Guarani-Kaiowá pediram a nulidade de uma decisão da 2° Turma da Corte que anula o reconhecimento do Estado à terra ancestral, pois não foram ouvidos durante o processo. O Supremo acatou a tese do marco temporal e considerou que os indígenas não teriam direito a terra, pois não estavam na área em 1988, data da promulgação da atual Constituição Federal. Entretanto, os Guarani e Kaiowá afirmam que a decisão foi baseada em uma interpretação equivocada, uma vez que foram vítimas de remoções forçadas.
“No próprio governo de Getulio Vargas nós fomos expulsos. Em 1930 já tinha pistoleiro, jagunço do fazendeiro para matar o indígena que estava lá. Prolongou-se a situação na ditadura militar. E querem que a gente esteja lá?”, questionou a liderança Daniel Vasques Guarani Kaiowá .
Segundo o Relatório Figueiredo, a expulsão dos indígenas de Guyraroká se iniciou em meados do século 20 e se estendeu até os dias atuais. No entanto, os Guarani e Kaiowá sempre tiveram uma relação espiritual com o território e, portanto, nunca deixaram de ter vínculo com o tekoha, a terra sagrada para os Kaiowá.
Os indígenas já sentem o efeito da decisão do Supremo, pois muitos mandatos de reintegração de posse já foram concedidos perante a determinação, como a ordem de despejo marcada para o dia 26 de outubro do território tradicional de Kurussu Ambá, localizado em Coronel Sapucaia, comunidade à beira de um genocídio anunciado.
Na busca pelo diálogo, os indígenas distribuíram cartas aos ministros e um memorial sobre o contexto histórico, além de alertá-los sobre o peso que as atuais decisões poderão interferir no reconhecimento de suas terras.
Durante a semana, a comitiva também foi recebida pela Frente Parlamentar Indígena da Câmara dos Deputados, como forma de agradecer aos deputados que atuaram na causa indígena e buscar apoio, tendo em vista o aumento da bancada ruralista no Congresso nas eleições deste ano. “ A bancada ruralista aumentou em 30% para 2015, vocês vão ser ainda mais ameaçados e precisam além de deputados parceiros irem para as ruas, pois os fazendeiros e elites querem retirar não só a terra, mas a vida de vocês. Diversos dispositivos governamentais como como a PEC 215, novo código de mineração possuem grandes chances de serem aprovados no próximo ano, frente a nova composição da casa, vocês precisam ir para as ruas, pois o cenário que se configura não é nada favorável”, disse o deputado federal Padre Ton (PT), que não conseguiu a reeleição.
Ministério da Justiça
As lideranças Guarani-Kaiowá também protocolaram na tarde de quinta-feira (16) um documento, destinado ao Ministério da Justiça, que foi recebido e assinado por Marcelo Veiga, assessor especial do ministro José Eduardo Cardozo. Nele, o Conselho Aty Guasu demanda o ingresso imediato de pedido de anulação do processo de reintegração de posse contra Kurussu Ambá, assim como o envio da Polícia Federal ou da Força Nacional de Segurança para o local, onde já ocorreu um ataque em que os barracos dos indígenas foram queimados e, mesmo com determinação judicial, nenhum tipo de segurança foi oferecida a comunidade, que é ameaçada diariamente.
Sobre processos de reintegração de posse, os indígenas anunciam: “Reforçamos que estamos dispostos a morrer coletivamente no estado do MS caso nossos direitos não sejam garantidos” e dizem que em Kurussu Ambá resistirão “até mesmo contra a polícia federal” se acontecer o despejo – previsto para o próximo dia 26. “Anunciamos que outras aldeias já estão mobilizadas e lutarão junto com o povo de Kurussu Ambá contra a retirada da comunidade de seu território tradicional”.
O Ministério da Justiça se comprometeu, nos termos do documento, a dialogar com a Força Nacional e a Polícia Federal a fim de instalar um programa de acompanhamento “em caráter de ação mais ostensiva e com maior contingente destes órgãos nas áreas e rotas de fronteira que hoje estão ameaçadas de despejos forçados pelos pistoleiros e jagunços dos fazendeiros. São elas: Kurussu Ambá, Guaiviry, Yvy Katu, Pyelito Kue, Sombrerito, Arroio Corá e Ipo’y”.
Histórico de violações
No Mato Grosso do Sul, encontra-se a segunda maior população indígena do país, mas com os piores índices de demarcações e com os maiores índices de violações de direitos humanos, conforme os inúmeros relatórios publicados por diversas organizações da sociedade civil e relatórios publicados por órgãos do Estado brasileiro.
Na década de 1920, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) criou oito reservas, onde os indígenas ficaram confinados, em resposta a estas ações, os indígenas estão mobilizados na defesa de seus direitos e voltam mais uma vez ao tekoha no processo de retomadas. Atualmente os Guarani-Kaiowá vivem no estado em mais de 40 acampamentos indígenas, que são comunidades na beira de rodovia esperando a demarcação de suas terras.
A vida nos acampamentos é uma dura e triste realidade, onde estão expostos a altos índices de mortalidade infantil e mortes por atropelamentos constantes, uma vez que muito desses acampamentos estão localizados na beira de rodovias.
Outro dado que corrobora esse quadro de violência é o índice alarmante de suicídio nos Guarani-Kaiowá, devido situação de extrema violência desses povos. Só no ano de 2013, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) foram registradas 73 casos de suicídio no Mato Grosso do Sul, o maior número nos últimos 28 anos.
A decisão sobre a terra Guyraroká fragiliza garantias constitucionais dos Guarani-Kaiowá, o direito originário não pode ser desconsiderado sob pena de inviabilizar demarcações e decretar extermínio aos povos, cabe agora ao judiciário resolver o conflito e garantir os direitos constitucionais indígenas previstos na CF.
Editada por ANDES-SN.
Fonte: Conselho Indigenista Missionário (Cimi)