Greve dos docentes federais ultrapassa 100 dias e segue fortalecida

Com pressão junto às reitorias, docentes conseguem avanços nas pautas locais

A greve dos docentes federais completou 100 dias ainda sem resposta efetiva do governo federal à pauta de reivindicações da categoria. A paralisação teve início no dia 28 de maio e conta com a adesão de 50 seções sindicais do ANDES-SN. As duas últimas reuniões entre o Comando Nacional de Greve (CNG) e representantes da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação (Sesu/MEC) foram conquistadas após intensa mobilização dos professores com atos em frente ao MEC e também nas Instituições Federais de Ensino (IFE), e em conjunto com estudantes e técnicos – também em greve. 

Na última audiência, realizada no dia 3 de setembro, o secretário da Sesu/MEC, Jesualdo Farias, mais uma vez reconheceu os cortes no orçamento da pasta, mas disse que os problemas nas instituições federais de ensino são pontuais. De acordo com Jesualdo Farias, apenas “meia dúzia” de universidades apresentam problemas efetivos de recursos e estrutura. Ainda segundo levantamento do MEC apresentado na reunião com o ANDES-SN, que contou também com a presença de representante dos estudantes, das 174 obras paradas, apenas uma é por falta de recursos. Farias se comprometeu em responder por escrito aos pontos apresentados. Leia aqui.

Avanço nas pautas locais
Apesar da dificuldade em negociação com o Ministério da Educação, o movimento tem conseguindo, através de grande pressão, avançar nas pautas locais, em diálogo com os reitores em algumas IFE. Desde agosto, os comandos locais de greve vêm intensificando as ações junto às reitorias para cobrar a abertura das contas das instituições com o intuito de identificar o impacto dos cortes no orçamento da Educação Federal, que já ultrapassam R$ 11 bilhões.

Segundo Claudio Toneguchi, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a base local conseguiu rapidez na abertura de diálogo com a reitoria. “Em relação à pauta local, ela caminhou bem rápido. Na semana passada tivemos uma reunião com a reitoria e priorizamos alguns pontos e aparentemente esses pontos estarão em discussão numa próxima audiência”, contou. De acordo com ele, a abertura das contas é um dos pontos prioritários da pauta local e já houve compromisso do reitor em realizar um seminário em setembro apresentado os dados do orçamento e das contas da UFPR.

Na Federal de Juiz de Fora (UFJF), a falta de recursos fez com que o reitor suspendesse o início do segundo semestre antes mesmo da adesão da base da UFJF à greve nacional. Lá, para pressionar pela abertura de negociações, o comando local de greve criou um movimento “Expresso em defesa da Educação”. “Com um ônibus, percorremos alguns locais da universidade onde visivelmente havia obras paradas, ou com problemas de gestão ou com dúvidas para a comunidade em relação às verbas. Esse movimento foi bastante importante porque desencadeou uma proposta da reitoria de uma primeira reunião sobre esse ponto de pauta. Nós conseguimos colocar para a reitoria a necessidade da transparência das contas”, conta Marco Escher, da UFJF.

O docente conta que a reitoria disse que a UFJF passa por uma situação muito grave do ponto de vista financeiro e gerencial, não exclusivamente por conta dos cortes, mas foi aprofundada nesse ano. “Esse impacto foi reconhecido inclusive pela reitoria, que suspendeu o calendário acadêmico, desde 1° de agosto, quando nós não havíamos aderido à greve ainda. Então, a reitoria teve que fazer um movimento de reconhecimento dessa dificuldade, de todo o corte de bolsas de assistência estudantil, infraestrutura, verba de custeio, que estava se agravando bastante”, explica Escher. Segundo ele, a reitoria informou ter verba apenas para dois meses de funcionamento, e que boa parte do dinheiro seria empenhado para reverter os cortes das bolsas de assistência estudantil. Na UFJF, assim como em várias IFE, os estudantes também estão em greve e ocuparam a reitoria. 

O avanço na negociação da pauta local também foi conquistado pelo comando local de greve do Instituto Federal do Piauí (IFPI), nesses mais de 100 dias de greve. “Há três semanas nós conseguimos arrancar reuniões para discutir a pauta local com o reitor. Nós já fizemos 14 reuniões e ainda restam três. O que nos impressionou é que o reitor tem participado de todas as reuniões”, relata Egmar Oliveira, professor do IFPI, instituto que tem 17 campi espalhados pelo estado.  

De acordo com o docente, um dos principais avanços foi nas pautas referentes à democracia interna na instituição. O movimento garantiu, por exemplo, o compromisso do reitor em realizar eleições diretas para os diretores de todos os campi, ao término da greve. Outro ponto que o comando local está negociando com o reitor é a conclusão das obras paradas e abertura de concurso público para contratação de docentes e técnicos.

“Vale notar que o reitor mantém o discurso de dificuldade orçamentária, jogando a responsabilidade para o governo, dizendo que o corte no orçamento está afetando também a continuidade de algumas obras e que ele não poderia firmar nenhum compromisso sem saber qual seria o orçamento para o ano que vem”, destaca Oliveira, ressaltando que os docentes continuarão a cobrar do reitor a abertura das contas nas próximas reuniões. 

As dificuldades da multicampia também aprofundam a precarização na Universidade Federal de Goiás (UFG), que conta com o campus sede em Goiânia e ainda possui campi em Jatái, Catalão e Cidade e Goiás. Segundo Carla Benitez Martins, da UFG Regional Jataí, os campi do interior têm especificidades na pauta em relação ao campus central, no entanto, o corte de verbas já atinge a universidade como um todo. De acordo com informações repassadas pela reitoria, o rombo nas contas da UFG chega a R$ 40 milhões.

A professora conta que diante da dificuldade de diálogo com a reitoria, e após pressão do movimento, foi realizada uma assembleia universitária, onde o reitor pela primeira vez abriu as contas da UFG. “Nessa assembleia, o reitor mostrou algumas planilhas e relatou um rombo de R$ 40 milhões deste ano, mas num tom de que era apenas mais uma pequena crise que seria solucionada, que estava em diálogo com o MEC para buscar uma suplementação, de que não há sucateamento, e que as coisas vão melhorar. A participação dos comandos de greves dos professores, dos estudantes e dos técnicos na assembleia foi fundamental para trazer a outra versão das coisas, o que é essa crise, que não está descontextualizada de um cenário político, porque o corte, na verdade, é a aparência de um processo muito profundo de sucateamento e privatização da universidade”, comenta. 

Segundo a professora, desde os comandos locais de greve realizaram uma atividade integrada apresentaram um documento com uma série de solicitações feitas durante a assembleia, como por exemplo, um compromisso público do reitor de que não haverá contratação de docentes e técnicos fora do Regime Jurídico Único (RJU), de revisão do contrato com a Ebserh e também um compromisso de luta do gestor pela reversão dos cortes. “Mas até agora não tivemos nenhuma resposta do reitor”, completa.  

Judicialização
Já na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), o avanço do movimento se deu via ministério público (MP), após a a greve ser judicializada, com uma liminar que impediu o Conselho Universitário (Consuni) de discutir o calendário acadêmico e sua suspensão. Na universidade, a paralisação nos campi do interior é total e no campus de Manaus, várias unidades estão paradas e algumas parcialmente funcionando, segundo a professora Amazoneida Pinheiro.

“Localmente, temos uma pauta que é um pouco diferenciada, pois tivemos algo novo nessa greve que é a judicialização do movimento. Nós tivemos algumas vitórias, pressionamos a reitora, entramos com uma ação junto ao Ministério Público para que a reitora mostre onde foram feitos os cortes e os efeitos desses cortes na administração e a questionamos também da interferência na autonomia universitária, quando o nosso Consuni é calado”, conta.

A docente relata que na última reunião do Consuni, no entanto, por pressão do movimento grevista, os conselheiros pautaram o calendário acadêmico e adiaram o início das atividades, previstas para terça (8). Além disso, por conta da ação junto ao MP, a reitora aceitou marcar um debate sobre as verbas da Ufam. “Infelizmente, nós só debatemos a universidade quando estamos em greve. Por que esse modelo produtivista de universidade que se coloca para o país só impede que os docentes e os técnicos disponham de tempo para pensar seu próprio trabalho”, explica.

Pauta Geral
Em relação à negociação da pauta geral, Marco Escher (UFJF) destaca que os docentes reconhecem que há um problema financeiro, que vai além da conjuntura nacional. “Mas isso não justifica equacionar verbas para setores que não achamos prioritários como o agronegócio e os banqueiros. Nós temos certeza de nossas reivindicações e da justeza delas, por isso estamos em greve”, afirma, dizendo que a expectativa é que ao menos o governo reconheça os problemas pelos quais passa a Educação Federal. 

Carla Martins, da UFG Regional Jataí, conta que é inacreditável a dificuldade de negociação frente aos problemas pelos quais passa a Educação Pública. “O posicionamento geral dos professores é de espanto diante da inflexibilidade do governo em dialogar, em fazer propostas concretas e há a percepção que, de fato, estamos falando de projetos de universidade diferentes”, relata. 

“A nossa base que está em greve está revoltada. E como é que nós vamos expressar nosso sentimento de revolta? Continuando com a greve”, resume Amazoneida Pinheiro, da Ufam.

Fonte: Andes-SN