Adufes assina nota pública contra “Escola Livre”

NOTA PÚBLICA POR UMA EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA
Nós, professores/as, alunos/as, entidades e sociedade civil representada pelos movimentos que assinam esta nota, listados no fim, repudiamos o projeto de lei nº 121/2016 do deputado estadual Hudson Leal (PTN-ES), que trata do programa “Escola livre”. Tal proposta do deputado já foi apresentada pelo deputado Esmael de Almeida em 2014 e vetada pelo governo do Estado anteriormente.

Sabemos que projetos de lei intitulados “Escola livre” e “Escola sem partido” vêm sendo apresentados pelo Brasil em Estados como Alagoas, Ceará,Distrito Federal, Goiás, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul eSão Paulo,e em municípios como Cachoeiro de Itapemirim. Esses projetos ferem o direito constitucional garantido pela Magna Carta de 1988 em seu artigo 1º, que trata dos fundamentos do Estado democrático de Direito: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político – pois criminaliza a discussão, no processo de escolarização, de temas ou abordagens que possam de alguma maneira estar em divergência com valores morais específicos das famílias de cada aluno/a, impedindo que a escola possa ser um espaço do debate, da diferença e, consequentemente, da formação cidadã, que pressupõe um olhar exotópico, dialógico, crítico às questões da vida em sociedade.

Também não considera os direitos humanos fundamentais garantidos pelo artigo nº 5, expressos nos incisos: daliberdade, da livre manifestação do pensamento, do respeito à dignidade da pessoa, da liberdade de consciência e de crença e da livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. O referido projeto de lei não respeita o artigo nº 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, que afirma: “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.”

O Brasil já viveu momentos de cerceamento da liberdade e da ausência de pluralismo político no período militar durante 21 anos. É preciso recordar, por exemplo, que, no processo histórico,se não fosse a crítica social e a luta dos movimentos sociais à suposta inferioridade feminina e negra, mulheres ainda dependeriam da autorização de seus maridos para votarem ou estariam impedidas de se divorciarem e negros/as ainda seriam escravizados. Por isso, não admitiremos retrocessos: a democracia, o ensino laico, o ensino das diversidades negras, indígenas e de gênero foram conquistas dos movimentos sociais e da sociedade civil e são garantidas pela própria Constituição de 1988, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, pelo Currículo Básico Comum do Estado do Espírito Santo e pelas Leis federais n. 10.639/2003 e 11.645/2008.

Compreendemos a escola como espaço democrático de participação de diversos sujeitos com pluralismo de ideias, de religiões, de etnias, das diversas formas de famílias. A escola é formada por alunos/as, professores/as, famílias e comunidades e pelo conjunto da sociedade civil com a qual a escola interage e para a qual e com a qual forma cidadãos. Quaisquer decisões sem consulta à comunidade escolar e que não passam pela tomada de decisões coletivas não podem ser aceitas como atitudes do Estado democrático de Direito, em especial se não preservam o papel do Estado como responsável pela defesa daqueles que são mais frágeis na dinâmica social.
O que chamam de doutrinação ideológica?

Segundo o texto do projeto “é vedada a prática de doutrinação política e ideológica em sala de aula, bem como a veiculação, em disciplina obrigatória, de conteúdos que possam induzir aos alunos a um único pensamento religioso, político ou ideológico”.Atribui-se, com veemência, ao/a professor/a o papel de doutrinador/a – o que é bem diferente de assumir uma posição política progressista e de esquerda, que defende as bandeiras das minorias nesse país, e de pontuar que as perspectivas hegemônicas em geral são as daqueles que têm os maiores privilégios. O projeto de lei busca cercear o papel do/a professor/a e retirar-lhe sua autonomia como sujeito histórico, como agenteque promove a reflexão crítica e formação da cidadania expressa no pluralismo político, na defesa do Estado laicoe da diversidade etnicorracial, de gênero, de identidade e de orientação sexual.

Neste sentido, em nome de uma Educação autenticamente democrática solicitamos à Assembleia Legislativa do Espírito Santo que não aprove o referido projeto de lei, não se rendendo a soluções com discursos fáceis e ações desprovidas de diálogo com os sujeitos e agentes que têm lutado diuturnamente por uma educação mais justa e democrática. Contrariamente, sugerimos que o referido deputado e seus pares procurem conhecer as realidades das escolas municipais, estaduais e federais, buscando melhorias na educação pública de qualidade por meio de incentivos e investimentos como: formaçãocontinuada remuneradade professores e demais agentes da educação, estabelecimento de planos de cargos e salários dignos e que equiparem os salários docentes aos das demais categorias de trabalhadores de nível superior no país, melhoria das condições infraestruturais de trabalho, cumprimento da lei federal do piso, diminuição da jornada de trabalho já que a categoria dos professores é uma das com maiores índices de estresse permanente, reforma e ampliação das escolas que estão em condições precárias ou inadequadas inclusive para receber portadores de necessidades especiais, diversificação e qualificação dos materiais didáticos e pedagógicos a serem utilizados no espaço escolar, implementação de bibliotecas escolares com bibliotecários escolares.

Isso porque, não custa lembrar, o estado do Espírito Santo: a) é um dos poucos que há décadas não realiza concurso para bibliotecários escolares, o que não apenas dificulta o acesso a materiais de estudo e pesquisa, mas prejudica a própria dinâmica cultural da educação escolar; e b) é, também, um dos estados brasileiros com maior proporção de professores em designação temporária em seus quadros, o que certamente prejudica não só aos alunos e profissionais da educação – que lidam com incertezas, trocas frequentes de profissionais, interrupções constantes em projetos pedagógicos já iniciados, condições de trabalhoprecarizadas –, mas também a própria organização das instituições escolares. Face ao exposto, sugerimos a realização de diálogos com sindicatos, professores/as, famílias, alunos/as, comunidade, movimentos sociais, grupos de estudo e pesquisa especializados nas questões educacionais, entidades educacionais, em audiência pública, para que haja de fato um debate qualificado, esclarecedor e, sobretudo, democrático sobre o papel do/a professor/a.

Defendemos, pois, o Estado democrático de Direito, os Direitos Humanos, o Estado laico, as minorias étnicorraciais e de gênero, as diversas formas de famílias, o ensino com pluralismo de ideias, crenças, valores e o pluripartidarismo. Não aceitaremos retrocessos e intervenções cerceadoras a atividades de ensino e tampouco censura e controle do papel do/a professor/a. O/a professor/a, no legítimo exercício da docência, não é criminoso e não aceitaremos a criminalização de seu trabalho, na construção de uma sociedade mais ética, mais justa, igualitária.

ADUFES-SSIND (Seção Sindical do sindicato Nacional dos Docentes no Espírito Santo)
ANPUH-ES (Associação Nacional de História do Espírito Santo)
(ABGLT) Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais
(CALLUS) Casa América Latina Liberdade e Solidariedade
Campanha Nacional pelo Direito à Educação
CEDES
Central Única dos Trabalhadores
Centro de Cultura Luiz Freire
Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDECA)
CESPECEO/UFES(Centro de Estudos em Sociologia das Práticas Corporais e Estudos Olímpicos)
(FINEDUCA) Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação
Fórum das Licenciaturas da UFES
Fórum de Humanidades do Instituto Federal do Espírito Santo
Fórum de Mulheres do Espírito Santo
Fórum Ifes contra o Golpe
Fórum Permanente em Defesa da Democracia e Contra o Golpe
Fóruns de Educação de Jovens e Adultos do Brasil
Grupo Dignidade GAYLATINO
Grupo de Pesquisa Literatura e Educação
Instituto Ganga Zumba
LAEFA/UFES (Laboratório de Educação Física Adaptada da UFES)
LAHIS/UFES (Laboratório de Ensino de História da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES)
MIEIB (Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil)
Movimento Belas, Recatadas e de Luta
Movimento de Mulheres Camponesas
NEAB/UFES (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da UFES)
PRÁXIS/UFES(Centro de Pesquisa de Formação Inicial e Continuada em Educação Física)
SINDIUPES – Sindicato dos Trabalhadores(as) em Educação Pública do ES
UESES – União dos Estudantes Secundaristas do Espírito Santo
UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundaristas
UNE – União Nacional dos Estudantes
UJS – União da Juventude Socialista
UMES Vitória – União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Vitória
UMES VNI – União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Venda Nova do Imigrante
UMES São Mateus – União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Mateus
UMESI – União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Ibatiba

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