Pandemia expõe a vocação excludente da educação não presencial e a superexploração da classe trabalhadora

Desde o início do isolamento social devido à pandemia de Covid19, em meados de março, instituições de ensino públicas e privadas replanejaram suas atividades, em muitos casos adotando modalidades de educação não presencial. Docentes sobrecarregados e estudantes excluídos do processo por falta de acesso à estrutura necessária são a face perversa de um problema muito mais amplo.

Para docentes e pesquisadoras/es capixabas, sobretudo nesse momento, o ensino à distância (EaD) irá aprofundar o abismo que já existe na educação, além de abrir caminho para projetos de privatização, que distorcem a concepção de educação como um direito, transformando-a em um serviço.

De acordo a professora do Departamento de Serviço Social, Juliana Melim, desde a década de 1990, o EaD é uma das principais políticas para a educação nos países da periferia do capital. “Não por acaso, essa modalidade foi regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1996, sendo mantida e ampliada por todos os governos que se seguiram, reforçando um projeto de educação privatista”, destaca.

As diversas modalidades de educação não presencial são hoje a aposta de grandes grupos empresariais para acumulação de capital, através de um “nicho” promissor, mas com o qual só se comprometem a fim de preparar mão de obra a ser explorada. Esta é a avaliação da secretaria geral da Adufes, Junia Zaidan, que vem desde o início da pandemia acompanhando as discussões nas diferentes instâncias da universidade e no estado sobre o trabalho remoto e EaD.“Neste momento, defender o ensino presencial e a suspensão do calendário letivo em todas as esferas da educação é uma forma não só de enfrentar a exclusão de estudantes, mas sobretudo os projetos de privatização que se avizinham e a exploração da classe trabalhadora”, afirma.

Desigualdades. O aprofundamento das desigualdades entre as diversas escolas, famílias e professoras/es nas diferentes regiões do ES merece atenção, segundo a professora do Centro de Educação, Gilda Cardoso. “Muitos têm aparelho celular com internet, mas isso não garante que todas/os poderão acessar a EaD. E o isolamento social é impeditivo para que estudantes se dirijam às poucas localidades com acesso público à rede Wi-fi. Não só estudantes, mas as/os profissionais também não possuem acesso aos pacotes de internet”, frisa. Gilda salienta que os estudantes da educação do campo serão os mais prejudicados.

“Segundo o censo escolar de 2018, das 94 escolas rurais do Espírito Santo, apenas 48 contavam com internet, 32% contavam com banda larga. O ensino à distância não leva em consideração as condições de infraestrutura das nossas escolas e tampouco, as condições subjetivas de vida das/os nossas/os estudantes”, critica a pesquisadora, ressaltando que em nome do lucro o Estado, por meio do Decreto nº 4.606-R, de 21 de março, que autorizou o regime de aulas não presenciais nas escolas da rede estadual. 

Gilda Cardoso defende a educação pública como um direito universal. “O que estão aprovando são normativas para que se aumente o fosso da desigualdade social no Brasil”. A aprovação do EaD se deu no âmbito do Conselho Estadual de Educação, em março. Na ocasião, a Professora Cleonara Maria Schwartz, conselheira que representa a UFES, fez contundente crítica à proposta, sem obter a adesão da maioria dos conselheiros, que votaram com o governo.

 EaD, Covid19 e a ilusão de normalidade.  Para o professor da rede pública estadual, Swami Bérgamo, a pandemia não pode onerar docentes nem estudantes. “Não sabemos quanto tempo irá durar o isolamento, por isso, para garantirmos o acesso universal à educação, um possibilidade seria prorrogar o ano escolar”, defende.

Especialista em Gestão Pública, Swami afirma que, face ao desemprego e com o avanço da pandemia, estamos diante de uma situação gravíssima e fazer com que estudantes, profissionais da educação e famílias se aflijam com o cumprimento de calendário escolar é cruel. “Nunca passamos por algo parecido antes e o centro de nossas preocupações deveria ser de amparo e solidariedade às pessoas que estão sem ter o que comer”, diz, apontando ainda para a necessidade de revogação da Emenda Constitucional 95, que congelou os investimentos em saúde e educação.

Docentes da rede estadual contra a exploração e pela educação presencial. Professoras/es da rede estadual se mobilizaram desde o início do confinamento a fim de enfrentar a tentativa do governo Casagrande de editar medidas burocráticas em contexto tão crítico. Um abaixo-assinado (clique aqui para ler e assinar o documento), que conta com mais de 800 assinaturas, repudia a Portaria nº 048-R do governo, que instituiu o “Programa EscoLAR”, cujo objetivo é disponibilizar aulas em “sites e aplicativos on-line” para os estudantes das escolas públicas da Rede Estadual” e está em franca implementação.

Camilla Paulino, professora da rede estadual e doutora em História pela UFES, é uma das articuladoras da campanha e denuncia a arbitrariedade da SEDU ao adotar medidas excludentes em momento tão excepcional. Além disso, critica as condições precárias de trabalho remoto que tem vivido. “Nunca foi tão escancarada nossa relação com o trabalho e a superexploração a que os patrões e governos submetem a classe trabalhadora”, afirma Camila.

Manutenção do calendário na Ufes. A presidenta da Adufes, Ana Carolina Galvão, apontou a inconsistência da manutenção do calendário e da recomendação de atividades extracurriculares remotas (ainda que não obrigatórias), determinada pela Resolução 07/2020, do Conselho Universitário, face ao agravamento da crise sanitária em todas as esferas. “A UFES é uma referência para a educação pública no estado. Diante do que estamos vendo a SEDU fazer, precisamos dar uma resposta intransigente a medidas excludentes, burocratizantes e que autorizam explorar ainda mais as professoras e professores, seja na nossa instituição ou fora dela”, afirma.

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Fonte: Adufes