Assessoria Jurídica emite parecer reconhecendo a legalidade da suspensão do calendário acadêmico da Ufes

Atendendo solicitação da diretoria, a assessoria jurídica do Sindicato manifestou a respeito do parecer dos advogados da União que assessoram a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Os procuradores opinaram contra a suspensão do calendário e na consequente suspensão da remuneração das/os trabalhadoras/es da instituição.   Leia  abaixo e em (PDF) o parecer da Assessoria Jurídica da Adufes

PARECER JURÍDICO

Ementa: Parecer n. 00202/2020/PROC UFES/PFUFES/PGF/AGU.

I – DA CONSULTA:

Trata-se de consulta formulada pela Direção da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo – Adufes acerca do parecer n. 00202/2020/PROC UFES/PFUFES/PGF/AGU emitido pela Procuradoria Federal nos autos do processo administrativo n. 23068.020056/2020-53, que trata do pedido de suspensão do calendário acadêmico formulado pela Seção Sindical.

I – DA ANÁLISE JURÍDICA:

Inicialmente, rendemos nossos elogios à análise etimológica da palavra “calendário”, sobre a qual não discordamos. Entretanto, divergimos em linhas gerais das razões do parecer, notadamente no tocante à advertência de corte salarial em caso de suspensão do calendário acadêmico ou, como preferem defender seus Subscritores.

Temos conhecimento das Resoluções do Conselho Universitário que regulamentaram a reorganização das atividades acadêmicas, administrativas e eventos no âmbito da Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes, como medida de prevenção à Covid-19. Mas lembremos de que na ocasião da aprovação da primeira normativa – a Resolução 04, de 18 de março de 2020 – ainda não era possível dimensionar os impactos da tragédia da pandemia sobre o ensino nacional, especialmente, no âmbito das Instituições Federais de Ensino, o que ficou mais evidente no decorre do tempo diante da necessidade de manutenção, por tempo indeterminado, das ações de distanciamento social.

Esse cenário só fez confirmar o posicionamento da Adufes a respeito da necessidade de suspensão da aplicação do calendário acadêmico no período de pandemia, considerando que a interrupção das aulas presenciais precariza o trabalho docente e exclui os estudantes que não possuem condições socioeconômicas para manter uma estrutura tecnológica que lhes permita o cumprimento das atividades remotas, atingindo sobremaneira, deste modo, a qualidade do ensino.

Estamos em um ano atípico e em um período de excepcionalidade sem precedentes na história recente, de modo que a razoabilidade, princípio legal que permeia toda ordem jurídica, também deve pautar a Administração na condução de seus atos para fim de evitar prejuízos ao ensino, assim como o aprofundamento das desigualdades no seguimento mais vulnerável da sociedade acadêmica.

Sustentar a manutenção do calendário na sua expressão etimológica e nos ditames da Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional e Regimento da Ufes em um período excepcional no qual vivemos é ignorar o princípio da razoabilidade que encontra-se, inclusive, expressamente previsto no o caput do art. 2º, XIII, da Lei nº de 29 de janeiro de 1999:

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

(Sem destaque no original)

Longe de querer polemizar com os Pareceristas, verificamos contradição quando afirmam que o calendário não se suspende e sim as atividades e prazos nele estabelecidos. Afinal, sendo o calendário um planejamento, sua suspensão é que leva a paralisação das atividades e não ao contrário.

Trata-se, na verdade, de uma argumentação para sustentar a afirmação manifestada no parecer de que a suspensão do calendário pode implicar falta ao trabalho, e, consequentemente, suspensão da remuneração, o que nos choca, uma vez que a excepcionalidade do período de pandemia, que impossibilita o servidor de exercer normalmente suas atividades, não pode acarretar em tal punição ao servidor.

Assim, há de se considerar que a suspensão da aplicação do calendário acadêmico em decorrência da excepcionalidade da pandemia que vivemos se justificativa e coaduna com o princípio da razoabilidade, porquanto se mostra medida adequada ao caso, diferentemente do exacerbado formalista contido no Parecer analisado.

Acrescenta-se que não se tem notícias de que a suspensão da aplicação do calendário acadêmica na maioria das Instituições Federais de Ensino, que gerou a suspensão das atividades, tenha tido como consequência a suspensão da remuneração.

Lembramos que embora historicamente não tenha se efetivado, a suspensão de remuneração somente ocorreu em períodos de paralisação por movimento de greve, de modo que, no singular e inesperado contexto de pandemia atual, o corte salarial configuraria verdadeiro afronta a razoabilidade e até mesmo à dignidade dos servidores, consagrada no art. 1º, III, da Constituição Federal como um dos pilares fundamentais da República brasileira.

Assim, entendemos que o posicionamento dos Pareceristas acerca de possível suspensão da remuneração busca, na prática, submeter os servidores públicos a prejuízos bastante graves, eis que num momento de pandemia em que todos se encontram em situação de dificuldade, o Estado coloca em risco a dignidade dos seus servidores em detrimento de uma justificação econômica meramente formal.

Em fim, não se pode promover a constrição salarial dos servidores para evitar gasto público no momento da pandemia, infligindo aos trabalhadores perdas financeiras graves, sob a alegação de não cumprimento das atividades.

Não se pode confundir a paralisação das atividades em decorrência da excepcionalidade da pandemia com simples falta no serviço, para fim de suspender o pagamento da remuneração dos servidores.

Registramos o fato de que qualquer pretensão de proceder ao corte do ponto e desconto do período de suspensão do calendário em razão da impossibilidade ao trabalho decorrente da pandemia, configuraria, na prática, a aplicação de medida punitiva sem a correspondente previsão legal.

É bom que se esclareça, definitivamente, que o Sindicato não busca dispensa da categoria, mas somente a impossibilidade de cumprimento eficaz de suas atividades em razão do período de pandemia.

Quanto a possibilidade da suspensão do calendário, mormente nesse período de excepcionalidade, não se verifica impedimento constitucional ou legal, bastando tal confirmação em simples leitura do art. 207 da Constituição Federal e os artigos 53 e 54 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Vejamos:

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

  • 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei.
  • 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica.

Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições:

[…]

  • 1º Para garantir a autonomia didático-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre:

[…]

VI – planos de carreira docente.

Art. 54. As universidades mantidas pelo Poder Público gozarão, na forma da lei, de estatuto jurídico especial para atender às peculiaridades de sua estrutura, organização e financiamento pelo Poder Público, assim como dos seus planos de carreira e do regime jurídico do seu pessoal.

  • 1º No exercício da sua autonomia, além das atribuições asseguradas pelo artigo anterior, as universidades públicas poderão:

I – propor o seu quadro de pessoal docente, técnico e administrativo, assim como um plano de cargos e salários, atendidas as normas gerais pertinentes e os recursos disponíveis;

II – elaborar o regulamento de seu pessoal em conformidade com as normas gerais concernentes;

Vê-se então, que a Constituição Federal garante a autonomia didático-científica das universidades, que foi regulamentada pela Lei de Diretrizes Básicas da Educação, especialmente nos artigos 53 e 54 acima transcritos. Portanto, não há que falar em cometimento de ilegalidade em eventual suspensão da aplicação do calendário e, via de consequência, das atividades docentes em razão da impossibilidade de seu cumprimento regular decorrente a pandemia.

De outro lado, no caso da aceitação da suspensão da aplicação do calendário acadêmico, não vislumbramos também, nenhum ato a ensejar o perigo das severas sanções da ação de improbidade, pois esta exige a justa causa, que é  consubstanciada em documentos ou justificações que contenham indícios suficientes de ato ilícito (§ 6º do art. 17 da Lei n. 8.429/92), caracterizado pela má-fé, prejuízo ao erário ou vantagem própria ou de terceiro.

I – DA CONCLUSÃO:

Conclui-se, portanto, que inexiste impedimento legal para a suspensão da aplicação do calendário acadêmico, tendo o Parecer em análise apontado medida de corte remuneratório que afronta o princípio da razoabilidade e a dignidade dos servidores.

O pleito da Adufes é pela preservação da vida e do ensino igualitário, o que é perfeitamente legítimo e legal, cabendo a Decisão de aceitação ou não aos Conselhos competentes da Universidade.

                     É o que temos para o momento.

                                                    Vitória – ES, 25 de maio de 2020.

                                                           Jerize Terciano Almeida

                                                                OAB/ES 6.739

                                                             Mila Vallado Fraga

                                                               OAB/ES 17.211