Adufes alerta para os riscos de adesão da Ufes aos serviços do Google e entrevista o Superintendente de TI, Renan Teixeira

De acordo com a universidade, alunos, técnicos e docentes  terão direito ao uso gratuito do sistema de e-mails institucionais pela plataforma Gmail. No pacote de serviços estão agenda eletrônica, armazenamento de dados individuais em nuvem, videoconferência e edição compartilhada de documentos. A Ufes está entre  70% das universidades públicas e secretarias estaduais de educação que fizeram acordo com a Google e/ou Microsoft.

No contexto de pandemia, em que se intensifica o uso de plataformas digitais, as grandes corporações de tecnologia oferecem pacotes de serviços e produtos educativos que se baseiam em modelo de negócios questionados por pesquisadores por considerarem esses convênios contrários aos interesses institucionais e nacionais. Na Universidade Federal do Espírito Santo, a parceria ocorreu por meio de convênio entre a Ufes e a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) –  Organização Social (OS), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC).

Embora o tema ainda não tenha sido debatido com a comunidade acadêmica, a Ufes já anunciou que está disponibilizando parte das ferramentas e dos aplicativos do GSuite for Education para a comunidade universitária. O uso da ferramenta de ensino (Google Classroom) ainda precisa de aprovação dos Conselhos Superiores.

A Adufes alerta que a universidade está minimizando o poder de controle dos oligopólios comunicacionais, quando diz que os dados institucionais ficarão protegidos pela própria instituição e, portanto, invioláveis. “Decisões que envolvem  privacidade e segurança, assim como muitas outras relativas à vida universitária, só podem ser tomadas com a efetiva participação de toda a comunidade”,   pontua a presidenta da Adufes, Ana Carolina Galvão. Ela destaca que, desde o início da elaboração do Plano de Contingência das atividades em função da Covid-19, ficou evidente que a universidade tinha a intenção de utilizar plataformas privadas para o acesso, o acompanhamento e a promoção de atividades remotas.  Ana avalia que, mesmo se tratando de um convênio com a rubrica da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP),  a real dimensão da  adesão ao uso de serviços de uma empresa privada como a Google só pode ser considerada mediante ampla discussão com o corpo da instituição. “E a comunidade acadêmica, mesmo no processo aligeirado de condução dessa discussão na Ufes, tem indicado o uso de plataformas públicas para a eventual adoção de formas não presenciais de ensino”, lembra.

Argumento considerado simplista. Segundo a Administração Central da Ufes,  cerca de 75% da comunidade acadêmica não utiliza o correio eletrônico institucional ou o redireciona para seu e-mail particular e, que esse seria, portanto, um dos motivos para migrar para o Google. No entanto, alerta Junia Zaidan, secretária geral da Adufes, que “o fato de muitos de nós usarmos esses recursos não pode ser considerado argumento para que uma instituição pública faça o mesmo. Ao invés de qualificar e melhorar seus serviços, a Ufes adere a um convênio que privilegia um grande oligopólio internacional, na contramão do que apontam os colegiados, departamentos e centros de ensino.”

Live Vigilância e Controle via Plataformas Digitais”. O avanço do território digital e dos oligopólios de tecnologia, sobretudo da Google e Microsoft sobre a educação pública brasileira, foi um tema debatido na live promovida pela Adufes em 15/6, com os professores Leonardo Ribeiro da Cruz (UFPA) e Rafael Bellan (Ufes). Os pesquisadores mostraram como as tecnologias para aulas remotas explodiram de modo indiscriminado desde o início da pandemia, colocando em risco a privacidade e segurança de estudantes e docentes, bem como das instituições públicas. Alertaram, ainda para o uso dos dados capturados para fins comerciais.

“Um negócio bilionário que prospera graças à chamada datificação, ou seja, um modelo tecnológico e comercial pouco transparente e, sobretudo, desconhecido pela sociedade”, adverte o professor do Departamento de Comunicação da Ufes, Rafael Bellan. Ele destaca, ainda, que essas empresas transformam o uso de seus produtos – neste caso, os dados gerados por professores e estudantes–para monitorar e coletar dados dos usuários através de sistemas de vigilância e de rastreamento.

“Quando uma universidade pública aceita esse tipo de serviço, ainda que aparentemente gratuito, todos os dados do usuário se tornam a forma de pagamento”, afirma Junia Zaidan, que participou do debate. Ela considera esta discussão urgente  e pontua que os acordos vão na contramão de uma luta nacional pelo desenvolvimento de softwares livres, que não operam na lógica capitalista, e, portanto, avalia que o uso dessas plataformas privadas enfraquece a luta por investimento na universidade pública, principalmente na área de TI. “A questão é grave sobretudo diante da ausência de legislação que proteja os usuários, o que torna a legalidade de convênios como esses um critério insuficiente para firmá-los. “.

A redução de orçamento e o consequente sucateamento da infraestrutura na área de TI foram destaques na exposição do professor Leonardo Ribeiro da Cruz – integrante do projeto Educação Vigiada, iniciativa de acadêmicos e membros de organizações sociais.  O pesquisador apresenta dados sobre o avanço do capital privado na educação pública e da urgência da formação de uma rede de resistência. “Quase 70% das universidades públicas e secretarias estaduais de educação no Brasil fizeram acordos diversos visando serviços, como a oferta de e-mails institucionais alocados em servidores da Google ou Microsoft”. A análise dos pesquisdores aponta que o argumento da suposta economia que as instituições fazem ao aderir a essas plataformas prevalece e interdita a real discussão.

 

O que diz a universidade. A posição que a instituição sustenta é de que tem tudo sob controle. De acordo com o Superintendente de TI da Ufes, Renan Teixeira ,na versão do Google, em breve  estará disponível o sistema de e-mails institucionais pela plataforma Gmail de forma  ilimitada e sem custo. Para os servidores, os endereços continuam os mesmos, sendo possível a leitura/envio no atual sistema e também, pelo Gmail institucional. Renan concedeu a seguinte entrevista ao jornalismo do sindicato:

Jornalismo Adufes: Quais as vantagens da parceria do Google para a universidade?

Renan Teixeira: Um dos fatores decisivos para essa parceria foi a necessidade de um ambiente digital integrado, seguro e com amplo espaço de armazenamento para o ensino EAD e melhoria geral na comunicação da Universidade (por exemplo, no sistema de e-mails), demandada pela Secretaria de Educação a Distância em 2019. A utilização da plataforma GSuite garantirá aos usuários mais segurança e eficiência, como exemplo, o alto número de spams e o atraso no envio e recebimento de e-mails, limitações de espaço nos serviços de armazenamento de arquivos e falta de ferramentas para comunicação institucional que permitam troca de mensagens em tempo real e de videoconferência.

 J.A.:  O que a Google ganha como contrapartida nessa parceria?

R.T.: Os serviços do GSuite foram viabilizados por meio de convênio entre a Ufes e a RNP, instituição que mantém com a Google uma relação estabelecida em um Termo de Cooperação Técnica. Não há previsão contratual de contrapartida da Ufes.

J.A.:   Qual a economia que esse convênio proporcionará à universidade?

R.T.: Sinteticamente, redução de contratos de alto custo para manutenção e ampliação do parque computacional da Universidade (backups, storages, blades, nobreaks, gerador, infraestrutura elétrica, predial, óptica e de refrigeração, etc.), além do provimento de maiores benefícios na prestação de serviços de envio de e-mails, armazenamento pessoal e edição de documentos de forma integrada, com alta disponibilidade e confiabilidade dos serviços.

J.A.:  Porque a administração optou por não fortalecer a estrutura pública da instituição franqueando maior acesso e integrando a comunidade acadêmica no sistema público, garantindo maior autonomia e independência?

R.T.: A Ufes continua fortalecendo a estrutura pública, mantendo e gerindo seus bancos de dados e serviços institucionais com segurança e cumprindo sua missão com autonomia.

J.A.:  Diante de um debate polêmico acerca do uso dessas tecnologias de informação, por que razão a universidade opta por assinar convênio com a Google sem ouvir a comunidade acadêmica e seus representantes? A decisão pela assinatura do termo de adesão passou pela aprovação por alguma instância da instituição?

R.T.: A decisão foi aprovada pelo Comitê de Governança Digital da Ufes, em observação ao decreto 10.332/2020, que prevê: “Art. 2º Os órgãos e as entidades instituirão, nos termos do disposto no Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019, para deliberar sobre os assuntos relativos à implementação das ações de governo digital e ao uso de recursos de tecnologia da informação e comunicação.” Como já informado, o convênio é com a RNP e não com a Google. A Administração Central da Ufes tem a prerrogativa estatutária e regimental de celebrar acordos e convênios com entes públicos e privados, visando à realização de suas atividades e ao cumprimento de objetivos. Todas as suas decisões e ações cumprem as formalidades legais antes de sua implementação, por meio de consulta à Procuradoria Federal junto à Ufes.

Fonte: Adufes