Diante do quadro sanitário desalentador de mais de 270 mil mortos devemos à população o compromisso ético-político pelo bem comum.
Notas preliminares
Durante o ano de 2020, criticamos veementemente a implantação do chamado “ensino-aprendizagem [sic] remoto, temporário e emergencial” (Earte) implantado na Ufes a partir de setembro do ano passado. Essa posição de rejeição ao Earte nunca representou o descompromisso da categoria com a universidade nem tampouco com as/os estudantes. Pelo contrário, esse posicionamento se coloca na direção da garantia da verdadeira qualidade do ensino público; do comprometimento com uma formação ético-política que tenha como horizonte a contribuição da universidade para a construção de uma sociedade justa e igualitária; a inclusão e permanência de todas/os; a saúde e a vida, em primeiro lugar. Desde a discussão sobre a suspensão do calendário acadêmico, temos acumulado debates sobre o assunto por meio de plenárias, assembleias, publicação de textos autorais de docentes, notícias e cadernos/cartilhas, nos quais, inclusive, apresentamos propostas alternativas para a organização da universidade no que se refere ao trabalho pedagógico.
Em sessões contínuas do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, realizadas em agosto de 2020, o Earte e toda sua normatização foram aprovados. Simbolicamente, vale relembrar que a primeira votação do ensino remoto no Cepe teve 20 votos favoráveis e 13 votos contrários, sendo quatro dos votos favoráveis da Administração Central (vice-reitor e três pró-reitores). Portanto, a narrativa de que o Earte teve acolhimento amplo, unificado e que se deu sem contradições e divergências não se baseia nos dados da realidade objetiva das discussões efetivadas.
Contudo, apesar da recusa da reitoria em fazer/participar de uma única plenária aberta à toda comunidade acadêmica, em diversos momentos reivindicamos o debate amplo e democrático e seguimos mantendo nossa convicção de que é através dele que deve se dar a construção das políticas institucionais, em todos os momentos, mas sobretudo em contextos gravíssimos como o que estamos vivendo. Mesmo sem o real diálogo entre a Administração Central e as diversas instâncias e base da universidade e ainda que com discordâncias em relação à forma e conteúdo da adoção do Earte, acatamos a decisão tomada no Cepe e permanecemos vigilantes e trabalhando na direção do interesse social da universidade e da categoria.
Outro ponto fundamental a destacar é que a Ufes nunca parou. Em nenhum momento as/os servidoras/es (do quadro técnico, docente e terceirizado) deixaram de realizar suas atividades, muito pelo contrário, passaram a ficar ainda mais sobrecarregados e tiveram seu trabalho precarizado pela falta de apoio da Ufes na infraestrutura para o trabalho remoto. Portanto, ao manter seu funcionamento, respeitando as condições sanitárias recomendadas, mesmo que isso tenha significado a intensificação do trabalho das/os servidoras/es, a Ufes continua prestando serviço à população com inúmeros projetos de pesquisa e extensão em curso – vários deles diretamente voltados ao enfrentamento da pandemia -, além das atividades de ensino em andamento desde setembro de 2020. Logo, a Ufes está em pleno funcionamento e ocupada nas condições objetivas possíveis, cabendo à instituição divulgar amplamente suas ações e afirmar sua imprescindibilidade perante toda a população, sobretudo diante da ameaça que a Reforma Administrativa e a PEC Emergencial, ambas em tramitação, representam para o conjunto do serviço público. Construir ferramentas e canais de comunicação para dialogar com a população sobre o papel da Ufes no atendimento ao povo capixaba é tarefa indispensável diante da desqualificação que a mídia e o próprio governo Bolsonaro promovem contra servidoras e servidores em todas as esferas. Isto é o que o sindicato tem feito, especialmente por meio de duas campanhas: o Movimento Vida de Servidor, que já atingiu mais de 2,6 milhões de pessoas pelas redes sociais e a sequência de vídeos que compõem a websérie “Adufes nos Centros “Adufes nos Centros – onde a Ufes é feita”, que objetiva mostrar o trabalho realizado em todos os Centros de Ensino da Ufes.
A vacinação contra a Covid-19, os grupos prioritários e as instituições de ensino
Com base nas análises científicas e nos dados disponíveis sobre a vacinação no Brasil e no Espírito Santo, precisamos, antes de tudo, destacar que neste momento não temos vacina em quantidade suficiente para imunização coletiva (pelo menos 70% da população precisa ser vacinada para que a resposta imunológica diminua a taxa de contaminação). Além disso, a organização de estados e municípios para aplicação das vacinas tem dificultado o controle social sobre a vacinação com transparência e participação. Portanto, para seguir nossa discussão precisamos sublinhar que precisamos defender vacina gratuita, pelo SUS, para todas e todos, já!
De acordo com o Plano Operacional de Vacinação do Espírito Santo, a 1ª fase abarca profissionais da saúde, idosos com mais de 75 anos, pessoas institucionalizadas com mais de 60 anos e aldeados. Na 2ª fase, temos os idosos de 60 a 74 anos e na 3ª fase, pessoas com comorbidades. Somente depois destas fases é que aparecem “outros grupos populacionais, também considerados prioritários, […] a exemplo dos trabalhadores da educação; trabalhadores dos demais serviços essenciais […]; população privada de liberdade, pessoas em situação de rua, dentre outros” (p. 11). A ideia de colocar as/os trabalhadoras/es da educação como grupo prioritário da fase 2, como temos visto ser defendido em diversos espaços, pode ser argumentada em função de ser a escola um local de grande circulação e, portanto, imunizar essa parcela da população já seria um avanço para a contenção da disseminação do vírus.
Lembremos, no entanto, que a imunização das/os trabalhadoras/es da educação não impede que o novo coronavírus se espalhe, pois estudantes (menores de 18 anos) estão muito longe de serem vacinados (não há nenhum planejamento a respeito, por serem considerados de baixo risco). Logo, a convivência escolar entre crianças e adolescentes não imunizados propagará o vírus para as comunidades em que vivem estudantes e suas famílias. É o que nos mostram os dados da Grã Bretanha segundo os quais as escolas aumentam três vezes surtos de Covid-19 quando comparadas a hospitais, desde outubro de 2020.
Também é importante salientar que hoje, por decisão de seus próprios órgãos deliberativos, a Ufes está funcionando de forma remota, o que significa que outras categorias estão mais expostas e/ou são mais vulneráveis. No próprio setor da educação, lembremos das/os milhares de professoras/es que foram obrigadas/os ao retorno presencial e que em muitos estados já têm sido identificados “surtos escolares” em função dessa decisão. É o que estamos observando, por exemplo, em São Paulo, no Paraná e também no Espírito Santo, onde já temos casos em escolas de diferentes municípios, como Conceição do Castelo, Serra, Vitória, Cariacica, Santa Maria de Jetibá , entre outras.
A própria Secretaria Estadual de Educação (Sedu) confirma a contaminação de 248 pessoas, entre trabalhadoras/es e estudantes desde a retomada das aulas no início de fevereiro, apesar de não divulgar todos os detalhes do registro dos casos.
Outro aspecto central é que mesmo com vacinação das/os trabalhadoras/es da educação, as instituições de ensino precisam de mecanismos de rastreamento de casos, protocolo de biossegurança para funcionamento, fornecimento de equipamentos individuais de segurança, investimentos em instalações (a exemplo de medidas para melhoria da circulação de ar (reformas), frequência de higienização (funcionários e insumos) e até mesmo mais salas de aula para manutenção de distanciamento recomendado, dentre outras), testagem em massa, protocolos de biossegurança para fechamento etc.
Diante do quadro sanitário desalentador de mais de 270 mil mortos e da perversa tentativa do governo, da mídia comercial e até mesmo de membros internos das universidades, de responsabilizar servidoras e servidores pela alteração no funcionamento das instituições públicas, cabe a nós, docentes da Ufes, a solidariedade à população brasileira, a participação nas ações/mobilizações pela vida de todas e todos e o compromisso ético-político de luta ombro a ombro com demais entidades que estejam comprometidas com o bem comum. Onde a farinha é pouca, não podemos aceitar o “meu pirão primeiro”.
Adufes