“Sucateamento das políticas públicas atinge principalmente as mulheres”

A professora do Departamento de Serviço Social da Ufes, Gilsa Barcelos, destaca que entre as mulheres as mais prejudicadas são as negras

O Brasil vive um processo de aceleração do sucateamento das políticas públicas. Essa realidade, segundo a professora do Departamento de Serviço Social da Ufes, Gilsa Barcelos, afeta toda a classe trabalhadora, mas principalmente as mulheres, sendo as negras as mais prejudicadas em meio a esse processo. Gilsa destaca como algumas das medidas de retirada de direitos implementadas nos últimos tempos, a Emenda Constitucional 95 (EC 95), que congela o investimento em políticas públicas por 20 anos; a Reforma Trabalhista, a Reforma da Previdência, e a PEC 32/2019, que trata da Reforma Administrativa e está em tramitação.

A Reforma da Previdência, aprovada em 2019, estabeleceu o aumento da idade mínima de aposentadoria para as mulheres de 60 para 62 anos. Para Gilsa, essa mudança não leva em consideração os impactos da divisão sexual do trabalho na vida das mulheres, já que elas exercem dupla ou até mesmo tripla jornada. Portanto, aumentar a idade mínima é elevar ainda mais essa jornada, que é maior do que a do homem, uma vez que, em uma sociedade patriarcal, as mulheres são responsabilizadas pelas atividades domésticas e pelos cuidados com os filhos.

Gilsa desmistifica a imagem que se tem de que o homem é o provedor. De acordo com ela, no Brasil, a cada 10 famílias cinco são chefiadas por mulheres, o que, acredita a professora, tende a aumentar. “Principalmente para as mulheres, as políticas sociais são imprescindíveis. Elas precisam de escola em tempo integral, por exemplo”, diz, referindo-se ao cotidiano enfrentado pelas mulheres em relação aos filhos. A docente destaca que, quando se reduz investimento em educação, como faz a EC 95, são sucateadas sobretudo as creches, já que a obrigatoriedade de garantia por parte do Estado é do ensino fundamental e médio.

Assim, sem acesso a determinadas políticas públicas, muitas vezes, entre o trabalho informal e o formal, principalmente as mulheres negras acabam tendo que optar pelo primeiro, pois o segundo, em alguns casos, não possibilita a conciliação com o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos, explica Gilsa. A docente aponta outras formas de precarização das políticas públicas que afetam principalmente as mulheres. “Quem busca o Cras [Centro de Referência de Assistência Social], o Creas [Centro de Referência Especializado em Assistência Social]? São as mulheres as maiores usuárias. Se sucateia, onde buscar atenção? A mulher já sobrecarregada passa a não contar com a política pública e fica mais sobrecarregada ainda”, denuncia.

No âmbito das universidades, Gilsa afirma que a realidade de retirada de direitos também impacta mais as mulheres. A docente aponta para o fato de que a proposta de Reforma Administrativa apresentada pelo presidente Bolsonaro (sem partido) pode afetar, inclusive, servidoras/es que já estão no meio acadêmico, não somente os que irão ingressar. A professora explica que, caso seja aprovada, a PEC passará por um processo de regulamentação que, segundo ela, abre excepcionalidade de implementação para algumas carreiras.

“Com mais retirada de direitos, as servidoras serão ainda mais afetadas. Tem uma série de conquistas históricas, alcançadas por gerações anteriores, de um processo longo, que podem ser perdidas”, alerta.

Violência contra a mulher

Gilsa salienta que o governo Bolsonaro tem um caráter misógino. “É um governo que odeia as mulheres, que as criminaliza”, denuncia. Diante disso, o combate à violência contra a mulher está sendo negligenciado, pois, como afirma a professora, dados referentes ao assunto, inclusive os provenientes de estudos nas universidades públicas, que podem servir de base para elaboração de políticas públicas, estão sendo rechaçados pelo Governo Federal. “O governo simplesmente os ignora”, diz.

Gilsa relata que o Governo Federal não utiliza nem divulga os dados concernentes à violência contra a mulher, assim como também não difunde informações de estudos desenvolvidos em outros espaços, como o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), fundação pública federal vinculada ao Ministério da Economia. Esse tipo de atitude dificulta não somente a formulação de políticas públicas em âmbito federal, mas também estadual e municipal, já que os estados e municípios passam a não ter acesso aos dados sobre violência contra a mulher.

Foto: Reinaldo Carvalho- Comissão de Cidadania ALES

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