Quem faz a Ufes é a sua comunidade, são as pessoas. Se elas não forem ouvidas, não haverá Universidade possível. Proposta de retorno presencial a toque de caixa, na modalidade híbrida, expõe ainda mais a falta de diálogo da Reitoria com trabalhadoras/es e estudantes
A Reitoria da Ufes diz que está aberta ao diálogo, mas não está. O discurso está distante da prática da Administração Central da Universidade. O que se vê é uma condução na base da canetada numa atitude cada vez mais autoritária, com reiteradas negativas de ouvir a própria comunidade, deslegitimando, inclusive, o papel da Adufes na representação sindical das/os trabalhadoras/es na Instituição. Por que a Administração Central da Ufes se recusa a dialogar diretamente com a sua comunidade?
A Adufes tem tentado abrir esse canal de diálogo de diversas formas. Na última tentativa (protocolo 23068.028071/2021-21), a entidade sindical solicitou que o reitor participasse de uma transmissão ao vivo pelos canais do Sindicato entre 5 e 23 de julho, no dia que fosse melhor para ele. O objetivo era debater como tema central o retorno às atividades presenciais na modalidade híbrida. Houve negativa, mas não apenas. Os termos em que a negativa se deu são preocupantes. A resposta foi a seguinte:
“Esclarecemos que os assuntos mencionados já foram devidamente encaminhados ou já vêm sendo tratados pela Administração Central junto aos gestores dos Centros de Ensino e às representações das entidades nos Conselhos Superiores. Desse modo, considerando o planejamento da gestão e os tempos necessários para o desenvolvimento e acompanhamento do atual cenário, entendemos que o diálogo tem sido realizado com a comunidade interna por meio dos canais adequados e as instâncias de representação institucional específicas”, diz a resposta da Reitoria.
De acordo com a presidenta da Adufes, Ana Carolina Galvão, a Ufes prefere tratar apenas com as/os gestoras/es, ignorando as bases da comunidade acadêmica. “Adufes e Sintufes não têm assentos nos Conselhos Superiores como entidades. Existem membros dos sindicatos lá, mas não foram eleitos para assentos reservados aos sindicatos e nem para representá-los. Quando a Reitoria menciona que ‘o diálogo tem sido realizado com a comunidade interna por meio dos canais adequados e as instâncias de representação institucional específicas’, ela está afirmando que o diálogo é com representantes (apenas) e desqualificando o Sindicato como canal legítimo e democrático. A Reitoria, no máximo, costura conversas com diretoras e diretores de centro e joga a maioria das decisões no colo desses gestores ou dos departamentos. O tratamento das coisas é ‘no varejo’ e não existe uma política institucional a respeito”, explicou.
Além disso, reuniões periódicas com a Adufes foram prometidas quando ocorreu um primeiro encontro com a atual gestão da Reitoria, mas nunca foi enviado um calendário e o Sindicato só consegue ser atendido quando pede e insiste. Agora, após novas pressões, a Reitoria marcou novo encontro para o dia 19 de agosto de 2021.
Plano de Contingência e retorno ao presencial
O anúncio da consolidação das diretrizes destinadas à Fase 3 do Plano de Contingência para o retorno às atividades presenciais feito pela Reitoria confirma o autoritarismo. De acordo com a matéria do site oficial da Ufes, publicada em 6 de agosto, a “Administração Central constituiu, nesta semana, um grupo de trabalho no Gabinete da Reitoria para dar continuidade à sistematização das principais diretrizes, orientações e informações de ações já realizadas destinadas ao planejamento e adoção da Fase 3 do Plano de Contingência da Ufes, a ser analisada pelo Conselho Universitário”.
A matéria continua dizendo que a “previsão da reitoria é de que, se aprovada a mudança para a Fase 3 pelo Conselho Universitário, a retomada do ensino em direção ao modelo híbrido deva ser feita de forma escalonada a partir do semestre letivo de 2021/2, que começa em novembro, e a das atividades que envolvem os servidores até o final deste período letivo”.
Ana Carolina Galvão destaca a incoerência da Reitoria que, logo depois, no mesmo comunicado, afirma que o “objetivo é envolver toda a comunidade num processo de discussão sobre uma nova fase de funcionamento da Universidade no modo híbrido, por meio de atividades de ensino e administrativas realizadas parcialmente no modo presencial, com segurança e cuidados por parte da comunidade acadêmica”.
Para a presidenta da Adufes, a postura da Administração Central é a de dizer que vai dialogar e que está interessada em ouvir as pessoas, mas, na prática, já decidiu tudo e não vai ouvir ninguém, impondo suas determinações. Para Ana Carolina Galvão, a Reitoria aposta em um trabalho que é apenas de gabinete, sem escutar ninguém além das/os gestoras/es, o que também demonstra certa arrogância de quem acha que não precisa ouvir as pessoas que estão na ponta do trabalho, lidando com as situações reais do dia a dia da Universidade.
Antes de pautar o retorno das atividades presenciais na modalidade híbrida, a Ufes precisa ouvir a sua comunidade de maneira ampla, democrática. Decisões de gabinete não dão conta da realidade nas salas de aulas e dos diversos setores e laboratórios da Universidade que só poderiam voltar a funcionar com a mais alta segurança sanitária e apenas quando ela for possível.
A escuta de quem faz a Ufes acontecer todos os dias, das pessoas, é condição para evitar uma tragédia a partir da universidade que corre o risco de se tornar uma “roteadora” de Covid-19, a partir das milhares de pessoas que recebe todos os dias na Grande Vitória, em São Mateus, e em Alegre, e que circulam pelas cidades e no entorno dos municípios. E é importante lembrar que a variante Delta do vírus, altamente transmissível, já foi identificada em casos de Covid-19 no Espírito Santo, conforme anunciado pelo Governo do Estado no dia 9 de agosto, atingindo Vitória, Serra e Guarapari.
Falta de transparência
As sessões abertas dos conselhos superiores até hoje não são transmitidas online, apesar de resoluções da Ufes já existentes estabelecerem que isso deve ser feito. Desde agosto de 2020, a Adufes acionou a Reitoria por diversas vezes para que tome as providências que viabilizem a transmissão. No último retorno, em junho de 2021, a Ufes informou que finalmente começou a consultar os setores para elaborar a normativa para a transmissão. Em julho de 2021, pela quarta vez, a Adufes solicitou providências imediatas “uma vez que existe autorização legal, regimental e possibilidade técnica (já praticada) de sua efetivação. A impraticabilidade de acompanhamento das Sessões por parte da comunidade universitária acaba por afrontar os princípios da transparência e da publicidade dos atos da Administração, uma vez que inviabiliza o controle social sobre os assuntos de interesse de estudantes, técnicas/os e docentes”, registra o ofício da Entidade. Clique aqui e confira o Ofício 32/Adufes/2021.
É importante ressaltar que as deliberações realizadas nas sessões são de interesse público e fica uma dúvida no ar quando uma providência como essa é tão protelada: a quem interessa reduzir a transparência dos processos, dos posicionamentos das/os conselheiras/os e das votações? Há algo a esconder?
Além disso, seria muito importante que o reitor fizesse um pronunciamento à sua comunidade, considerando o momento de fragilidade das pessoas em meio às crises sanitária e econômica, ao luto, e ao enfrentamento a ataques desferidos pelo Governo Bolsonaro, pelo bolsonarismo e por setores ultraconservadores e de ultradireita ao conhecimento, à ciência e à própria universidade. É importante que a comunidade ouça o que a liderança da Instituição tem a dizer acerca do presente e sobre o futuro que se pretende construir. Contudo, isso nunca aconteceu por iniciativa própria, em plenária virtual aberta. A Adufes solicitou insistentemente que isso fosse realizado em 2020 e ofereceu as suas plataformas para o evento, mas não obteve resposta positiva.
Como estão professoras/es e estudantes?
Alguém está interessado em saber como estão as/os trabalhadoras/es e as/os estudantes da Ufes? A Adufes está. Depois de quase um ano e meio de pandemia, a Ufes não tem um diagnóstico da situação de saúde física e mental de estudantes, docentes e técnicos-administrativos. Com relação aos professores, quem fez o levantamento foi a própria Adufes, que ouviu 642 profissionais em atividade: 72,1% deles relataram sintomas ergonômicos, 63,13% fadiga mental, 46% insônia e dificuldade para dormir, e 45,68% adoecimento psíquico. Parte considerável da comunidade acadêmica está adoecida e sobre outra grande parte nem há informações. Confira o quadro abaixo com os números completos dos docentes.
Para dar continuidade às atividades da Universidade, revendo práticas e aperfeiçoando o ensino, a pesquisa e a extensão dentro do cenário caótico do país na atualidade, é preciso saber como as pessoas estão, como elas se sentem e o que as afeta. A partir disso, é preciso oferecer as condições adequadas para que o trabalho continue com qualidade, mesmo que remotamente. Neste caso, a Reitoria joga para o colo de cada docente, alegando que devem solicitar auxílio, caso precisem, revelando a ausência de uma política institucional de garantia de condições de teletrabalho. Esta tem sido outra frente de atuação da Adufes que já solicitou providências desde o início do Earte.
Tão importante quanto saber como estão as/os trabalhadoras/es, é saber como estão as/os estudantes da Ufes. A Adufes solicitou que haja um Plano Sanitário e Educacional com diagnóstico de abandonos de curso, trancamentos, reprovações, óbitos, situação socioeconômica, de saúde, entre outras, para que haja um planejamento eficiente para atender as/os discentes, muitos em situação de vulnerabilidade agravada pela pandemia e pela crise econômica.
A Adufes espera que a política da canetada autoritária da Reitoria, sempre embrulhada em embalagem bonita que simula democracia e diálogo, seja revista. Apenas dessa forma será possível dar continuidade às atividades da Universidade e desenvolver o trabalho de excelência e de qualidade que milhares de pessoas entregam todos os dias ao Espírito Santo e ao Brasil. Quem faz a Ufes não é a sua gestão. Quem faz a Ufes é a sua comunidade, são as pessoas. Se elas não forem ouvidas, não haverá Ufes possível.
Adufes