Após pressão da Adufes e movimentos, reitoria encaminha resolução ao CEPE sobre cotas docentes; mas não ouve professoras/es, sindicato nem movimentos

Resolução foi produzida por comissão designada pela reitoria; confira

O conteúdo desta matéria foi atualizado no dia 31 de março, às 20h17, diante do retorno da pró-reitora Josiana Binda aos questionamentos feitos pela Adufes. A primeira versão do texto informava que o espaço estava aberto para manifestação da gestão. 

Após pressão da Adufes e movimentos, com ampla mobilização, a Ufes divulgou, no portal de notícias da universidade que foi enviado, pela Reitoria, ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), uma proposta de resolução que trata das cotas para docentes em concursos da Universidade.

Para a direção da Adufes, a atenção da Reitoria ao tema é positiva, já que é reivindicação histórica do sindicato. Contudo, a forma e o timing para o envio da proposta são considerados “preocupantes”, porque não houve diálogo com professores negros da base, professores com deficiência, sindicato nem movimentos. O documento foi produzido por uma comissão formada por pró-reitoras/es e equipe do gabinete do reitor.

A comissão foi constituída pela Portaria 768, de 6 de setembro de 2022. A proposta de resolução regulamenta a sistemática da oferta e reserva de vagas para pessoas negras (preta ou parda – PPP), e para pessoas com deficiência (PCD) em concursos e processos seletivos para docentes da Ufes, e define o percentual de 20% das vagas para cada modalidade.

A presidenta da Adufes, Junia Zaidan, afirma que as providências são urgentes, mas não podem ser decisão de gabinete. “O fato da Reitoria estar, agora, dando atenção a esta pauta, nos traz otimismo diante de uma história de reivindicações que já tem vários anos, de uma Lei que já deveria estar sendo cumprida desde 2014. Então, é excelente que a Ufes esteja dando atenção a esta pauta. Contudo, a forma como a reitoria está fazendo não pode, em hipótese alguma, prescindir da escuta e da discussão com a comunidade”, destaca Junia.

A presidenta reforça que a questão é política e necessita do amplo diálogo com a comunidade. “Não se trata apenas de uma questão operacional. O modo como será efetivada a reserva de vagas, ele tem, indiscutivelmente, um atravessamento político e que, portanto, precisa ser construído com a participação de todos os segmentos”, frisa.

O professor Douglas Ferrari, Coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Fundamentos da Educação Especial – GEPFEE/UFES e vice-coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Deficiência Visual e Cão-guia, do Centro de Educação da Ufes, destaca que foi pego de surpresa com a notícia. “Eu fui pego de surpresa ontem com essa notícia, já à noite. A princípio, sem conhecer o teor, a ideia é ótima, inclusive, já está atrasada, porque a Lei é de 2014. Eu fico pensando nas vagas que não foram colocadas na reserva de vagas, de 2014 até agora. Vai fazer como? Mas, o problema maior pra mim está na forma. Eu não conheço o conteúdo, a comunidade universitária não foi convidada a dialogar com o debate”, destaca.

“Hoje, a gente pede aquela máxima que vem do movimento das pessoas com deficiência, mas que vale para as outras que é: nada sobre nós sem nós, e que a gente tem reduzido para nada sem nós, não é que é nada sobre nós sem nós, é nada sem nós, seja sobre nós ou não. Nesse caso, da pessoa com deficiência, aluno, professor com deficiência, a gente não foi ouvido. E me espanta isso sair no último ano do atual mandato da reitoria, sem um diálogo”, frisa Douglas.

Administração Central

Em resposta ao jornalismo da Adufes  sobre a falta de diálogo com docentes da base e movimentos, a pró-reitora de Gestão de Pessoas da Ufes, Josiana Binda, que preside a comissão responsável pela elaboração do documento, afirma  que o trabalho da comissão foi técnico. “A comissão constituída foi técnica, composta por um quadro de servidores dedicados à instituição, para dar resposta objetiva ao problema, e entregar uma proposta  bem estudada para o envio aos Conselhos Superiores, para ser avaliada nessas instâncias representativas da comunidade”, diz, ao elencar as normativas que, ao longo dos anos se sucederam para, agora, serem dados encaminhamentos institucionais.

Clique aqui e confira a entrevista com Josiana Binda.  

A Pró-Reitora também afirma que “os demais membros da comunidade interessados na matéria, aqueles a favor ou contra os aperfeiçoamentos, poderão agora contribuir através dos seus representantes no conselho”. Josiana diz também que a proposta foi apresentada aos coordenadores do NEAB (Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros) e NEESP (Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação Especial) e à Comissão de Política Docente. 

Para a diretoria da Adufes, a condução do processo de elaboração da proposta de resolução reforça a cultura institucional de tomada vertical de decisões. Em ofício (mais abaixo) enviado à Reitoria, a Adufes também reforça que foram solicitadas, há um tempo, informações dos trabalhos da comissão, mas  não obteve retorno da reitoria. 

“Qual explicação a Reitoria apresenta para não ouvir as/os docentes que estão organizadas/os nos movimentos populares e Movimento sindical? Qual explicação para encaminhar normativas sem considerar o que o movimento negro e o movimento anticapacitista têm acumulado de discussão, saberes e fazeres em uma longa história de luta por ações afirmativas?”, questiona a vice-presidenta temporariamente licenciada da Adufes, Jacyara Paiva, lembrando que sequer há número expressivo de representantes negras/os e de PCD no Cepe para que estes respondam de modo definitivo pelo interesse das pessoas negras (pretas e pardas) e PCD. E mesmo se houvesse, caberia à Reitoria o diálogo prévio.

Jacyara  também reforça que apresentar a proposta não é construir a proposta. “A Pró-Reitora de Gestão de Pessoas informou que antes de enviar a proposta ao Cepe, o reitor solicitou à Comissão que a apresentasse  aos coordenadores do NEAB e ao NEESP. Cabe perguntar por que aos coordenadores? Cabe ainda perguntar se a consulta se efetivou e, tendo se efetivado, qual foi a devolutiva. De todo modo, apresentar a proposta não é construir a proposta. Tampouco remetendo-a aos coordenadores e mantendo a decisão em espaços que não prevêem a participação da categoria, do sindicato que a representa e dos movimentos”, frisa Jacyara .

Proposta
A proposta se propõe a corrigir  como a Ufes realiza os concursos e seleções de docentes, para que as políticas afirmativas previstas na Lei 12.990/2014, que reserva 20% das vagas para docentes negras e negros, e pelo Decreto nº 9.508/2018, que reserva às pessoas com deficiência percentual de cargos e de empregos públicos ofertados em concursos públicos e em processos seletivos.

Conforme a proposta, é feita a sistematização das vagas de concursos públicos e processos seletivos e reservados os percentuais de 20% das vagas para pessoas negras (preta ou parda – PPP) e 20% para pessoas com deficiência (PCD). Clique aqui e confira. 

A Adufes entende que a análise da proposta da reitoria deve ser feita em diálogo com docentes que atuam na luta antirracista e anticapacitista, com participação do sindicato.

“Qual base de dados e qual discussão nos subsidia para  distribuir as reservas de vagas por áreas dos professores nos concursos a partir dos índices de presença de pessoas com deficiência e negras (pretas e pardas) nos departamentos?”, indaga Junia. 

A Adufes também registra reconhecimento da importância  da reserva de vagas para negros, para pessoas com deficiência ser aplicada tanto nos concursos para o quadro efetivo de professores do Magistério Federal (Magistério Superior e EBTT), bem como para a contratação temporária de professores substitutos e visitantes, como consta na proposta. 

Reparação

A vice-presidenta da Adufes, Jacyara Paiva, também questiona como ficam os 9 anos de descumprimento da lei: “Quem paga a conta com o fato da Ufes não ter durante 9 anos conseguido ter a exata interpretação da lei? Ainda que a lei seja prorrogada, como fica o prejuízo efetivo causado ao povo negro e às PCD? Até quando a branquitude vai reservar para si a prerrogativa de entender e interpretar devidamente a Lei para dar a canetada autorizando o usufruto de direitos?”, questiona. 

“Como se pode ver ao examinar o texto enviado ao Cepe pela Reitoria, uma resolução elaborada em instâncias superiores, sem diálogo com a comunidade, não responde a estas questões”, frisa a presidenta do sindicato, Junia Zaidan, sobre a reparação reivindicada pelo movimento docente.

Ofício
Nesta quinta-feira, 30, a Adufes enviou um ofício à Reitoria em que solicitou o envio do documento que trata da proposta de regulamentação, com ampla publicização, bem como participação no processo, com debates e discussões que antecedem a votação.

A reitoria respondeu que o documento foi disponibilizado na plataforma Lepisma, o que, para a Adufes, é insuficiente por se tratar de uma questão de extrema relevância para a universidade, e necessita de ampla divulgação, além da notícia que foi publicada no site da instituição.

“É decerto um avanço que, com o debate levantado pela Adufes e pelos movimentos, a UFES esteja se movimentando para cumprimento da legislação, com proposta que recobre tanto as vagas para cargos efetivos da carreira do Magistério Federal – Magistério Superior (MS) e Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) – quanto para a contratação temporária de professores substitutos e visitantes, com reserva para pessoa negra (PPP) e pessoa com deficiência (PCD), com percentuais de 20% cada. Entretanto, a forma vertical como os encaminhamentos têm sido feitos, fragiliza a luta contra as múltiplas formas de exclusão que nossa universidade precisa superar, pois não incorpora as perspectivas múltiplas que uma Comissão não pode representar”, destaca o sindicato em trecho do ofício. Clique aqui e confira.

Adufes