Assessoria Jurídica da Adufes aponta que EaD NÃO está entre as funções das/os docentes da Ufes

Parecer destaca que, no caso da implementação de EaD nos cursos presenciais da universidade, haveria desvio da função para a qual as/os docentes foram contratados por meio dos concursos que realizaram

As universidades públicas brasileiras oferecem uma educação de qualidade reconhecida pelos mais diversos segmentos da sociedade. Essa excelência tem um dos seus principais pilares na presencialidade, que possibilita às/aos estudantes ter acesso ao ensino, pesquisa e extensão. As/Os professoras/es atuam como agentes educacionais responsáveis ​​por contribuir com o avanço da ciência e por buscar soluções para problemas sociais.

A presidenta da Adufes, Junia Zaidan, ressalta a importância de fortalecer o coração desse modelo de ensino, especialmente diante da ameaça à sua integridade. Desde que o governo Bolsonaro publicou a Portaria nº 2.117, em 6 de dezembro de 2019,  há uma proposta que possibilita  implementar até 40% de Educação a Distância (EaD) nos cursos presenciais da Ufes. “Essa medida aproxima ainda mais as universidades da lógica mercantilista que rege os processos de formulação de políticas e gestão educacional, ao mesmo tempo em que nos afasta, tanto enquanto docentes, quanto como instituição, da formação intelectual e humana a que nosso povo tem direito”, afirma Junia.

Além disso, um parecer da Assessoria Jurídica da Adufes destaca que, no caso da implementação da medida, haverá desvio da função para a qual as/os docentes foram contratados por meio dos concursos que realizaram. “A imposição do trabalho docente através da modalidade EaD, implica a alteração do conjunto de atribuições do cargo do concurso ao qual se submeteu o servidor e que para tanto foi nomeado. Assim, entendemos que as alterações das atribuições devem ocorrer através de processo legislativo regular, exigindo-se concurso público específico para seu cumprimento”, diz um trecho do documento.

Clique aqui e confira a íntegra do parecer da Assessoria Jurídica sobre EaD nos cursos presenciais da Ufes.

Falta de debate

Junia Zaidan destaca que a implementação da EaD nos cursos presenciais distorceria de tal forma o trabalho das/os docentes e seria de uma magnitude tão grande que afetaria diretamente a situação funcional da categoria.

“E a falta de debate sobre isso tudo deixa a situação ainda mais nebulosa. É fundamental lembrar que quase a totalidade da pesquisa no Brasil é feita nas universidades públicas. A expansão da EaD, no entanto, distorce a concepção de formação e de universidade, num movimento de financeirização da educação que atende a interesses privatistas. Grandes grupos privados de educação buscam rebaixar a qualidade das universidades públicas para equipará-las às formações que eles oferecem em graduações por todo o país. Eles obviamente tratam  a educação como uma mercadoria, e estão sempre em busca de maximizar lucros, mesmo que isso signifique oferecer uma educação de baixa qualidade”, disse.

A professora do Centro de Educação da Ufes e integrante do GT Política de Formação Sindical da Adufes Ana Carolina Galvão, faz um alerta na mesma direção, lembrando que a inserção de carga horária EaD nos cursos presenciais desidrata a qualidade da formação. “Talvez uma das principais distorções que podemos citar seja justamente essa: a proposta aparece como meio de ampliar o acesso à educação pública superior, mas a solução apresentada só aumenta o fosso entre oferta e qualidade”.

Ana Carolina acrescenta que atividades de natureza extensionista podem ser até 10% da carga horária do curso. Ocorre que nestas atividades já são permitidas atividades EaD, como é o caso de cursos de extensão.  Isso pode fazer a EaD chegar a até 50% do curso.

“É importante salientar que a assustadora porcentagem de um possível número que chegue a até 50%, não deve nos deixar menos alertas com índices menores que sejam propostos. Qualquer inserção de EaD deve ser tratada com muita preocupação pela possibilidade de entrar de mansinho em nossos cursos e depois crescer continuamente”, adverte Ana.

Carreira

Para a carreira docente, Ana Carolina lembra que a proposta promoverá um enxugamento ainda maior dos quadros, concursos e reposição de vagas, uma vez que, na modalidade EaD, entende-se ser possível colocar muitos estudantes numa mesma turma. Por outro lado, também afeta a carreira ao tornar a/o docente cada vez mais responsável, individualmente, pelas condições materiais necessárias para a execução do trabalho pedagógico.

“Um professor com dezenas e dezenas de estudantes não terá condições reais de planejar, executar, acompanhar e avaliar o processo de aprendizagem com qualidade. Portanto, esse é um elemento de precarização pedagógica que a um só tempo responsabiliza individualmente a ‘competência’ do docente e a ‘capacidade’ do estudante de se auto instruir, pois não terá como contar com o professor para lhe auxiliar de forma mais direta”, explicou.

Essa situação levará a outro problema. A Portaria 2.117/2019 prevê que os cursos que ofertarem carga horária à distância em cursos presenciais devem ter metodologias e materiais didáticos específicos, adequados à EaD. E isso inclui as/os tutoras/es. As atividades de tutoria passam a ser um elemento avaliativo obrigatório para autorização e reconhecimento dos cursos.

“Em um dos processos seletivos da Superintendência de Educação à Distância da Ufes (Sead/Ufes) para tutor do curso de licenciatura em pedagogia na modalidade à distância, o edital de seleção prevê como requisito básico ‘Ter recursos próprios de infraestrutura tecnológica, ou seja, equipamentos, software e acesso à internet para cumprir as atribuições e desenvolver as atividades exigidas neste edital para suas respectivas funções’. A remuneração, na forma de bolsa é de R$ 765,00 (20 horas semanais) e a formação obrigatória é apenas a titulação de graduação em Pedagogia ou áreas afins. É um combo de problemas: baixa remuneração, nenhum direito trabalhista, assunção do provimento dos recursos necessários para a atividade, inexigibilidade de formação em nível de pós-graduação e uma extensa lista de atividades a cumprir”, alertou.

Outro lado

A Pró-reitoria de Gestão de Pessoas (Progep) foi acionada no dia 24 de abril pela Assessoria de Comunicação da Adufes para que participasse da matéria. Após o primeiro contato, a Progep enviou o artigo 2º da Lei nº 12.772/2012:

“Art. 2º São atividades das Carreiras e Cargos Isolados do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal aquelas relacionadas ao ensino, pesquisa e extensão e as inerentes ao exercício de direção, assessoramento, chefia, coordenação e assistência na própria instituição, além daquelas previstas em legislação específica.

  • 1º A Carreira de Magistério Superior destina-se a profissionais habilitados em atividades acadêmicas próprias do pessoal docente no âmbito da educação superior.
  • 2º A Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico destina-se a profissionais habilitados em atividades acadêmicas próprias do pessoal docente no âmbito da educação básica e da educação profissional e tecnológica, conforme disposto na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e na Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008.
  • 3º Os Cargos Isolados de provimento efetivo objetivam contribuir para o desenvolvimento e fortalecimento de competências e alcance da excelência no ensino e na pesquisa nas Instituições Federais de Ensino – IFE.”.

Entendendo ser necessária a contextualização desse trecho da lei enviado, a Adufes se mantém na busca do diálogo. Após novo contato, ainda no dia 24 de abril, a Pró-reitoria solicitou mais informações sobre a pauta. A Adufes enviou o parecer de sua assessoria jurídica solicitando uma entrevista sobre o que é apontado no documento. No dia 25 de abril, a assessoria de comunicação da Adufes voltou a fazer contato perguntando se a Pró-reitoria concederia entrevista. Até o fechamento desta matéria não houve retorno. Tão logo sejam recebidas as declarações da Progep, esta matéria será atualizada.

Adufes