Pedido de reexame feito pela Ufes à AGU surge, contraditoriamente, após a sua Administração Central e a sua Procuradoria repetirem insistentemente que não havia mais o que fazer e que a exoneração de Jacyara Paiva era inevitável
As assessorias jurídicas do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) e da Associação dos Docentes da Ufes (Adufes) incluíram no processo da professora Jacyara Paiva uma Nota Técnica solicitando a concessão da estabilidade de dirigente sindical à docente considerando a jurisprudência dos tribunais. Isso foi feito após a Procuradoria Federal da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) encaminhar o caso à Advocacia Geral da União (AGU) para reexame. Sendo assim, Jacy não poderia ser exonerada enquanto estiver exercendo mandato sindical no Andes-SN, entidade em que ocupa o cargo de 2ª secretária da Regional Leste.
O envio da nota técnica seria feito, inicialmente, à Procuradoria da Ufes, conforme combinado na reunião realizada entre as entidades sindicais, suas assessorias jurídicas, o reitor Paulo Vargas, o Procurador Geral da Ufes, Francisco Vieira Lima Neto, e outros membros da equipe da Administração Central da universidade, no dia 17 de janeiro. Na ocasião, a Ufes se comprometeu a analisar o documento antes de uma decisão sobre a exoneração da professora. Entretanto, os sindicatos foram surpreendidos no início da noite de sexta-feira, 19 de janeiro, quando ainda não havia expirado o prazo combinado de dois dias para o envio da nota técnica, por uma matéria no site da Ufes informando que a Universidade havia encaminhado o caso para reexame da AGU.
Desta forma, a nota técnica foi protocolada diretamente na AGU. No mesmo dia da reunião com o reitor Paulo Vargas (17 de janeiro), as entidades também já haviam sido surpreendidas por outra matéria publicada no site da Ufes sobre o encontro que não citava o encaminhamento definido com exatidão e antecipava, novamente, a decisão de exonerar a professora, tornando a análise com a qual a Universidade se comprometeu uma mera formalidade para a qual já sinalizam uma resposta negativa mesmo antes de receber a argumentação jurídica que estava sendo preparada.
Além disso, as assessorias jurídicas das entidades já haviam protocolado no dia 15 de janeiro, na Ufes, uma Manifestação Administrativa como Defesa e/ou Recurso listando os elementos administrativos e jurídicos para sustentar a permanência da docente nos quadros da Ufes.
Clique aqui e confira a íntegra do recurso protocolado na Ufes em 15/01.
Contradição 1
O pedido de reexame feito pela Ufes à AGU surge, contraditoriamente, após a sua Administração Central e a sua Procuradoria repetirem insistentemente – por meio de matéria em seus canais, notas e respostas à imprensa – que não havia mais o que fazer, que a exoneração de Jacyara Paiva era inevitável.
Entretanto, a Ufes, que antes afirmava não poder fazer nada, encontrou algo a ser feito após as articulações das entidades sindicais e a intensa campanha que cresce e se espalha pelo Brasil em defesa de Jacy: #JacyFica #OPovoNegroFica.
“O posicionamento é demonstração cabal de que sim, há alternativa. Como o movimento sempre colocou, existem alternativas. Essa é uma delas. Isso coloca todas as questões em aberto. A Ufes tinha uma posição inflexível e agora fez um movimento de recuo. Se a Ufes exonerar Jacyara, será a primeira vez em 42 anos de história do Andes-SN que um/a diretor/a sindical será exonerado/a. E uma mulher negra. Isso não ocorreu nem mesmo no período da ditadura militar-empresarial no Brasil”, disse Gustavo Seferian, presidente do Andes-SN.
Contradição 2
O Andes-SN e a Adufes entendem que, apesar de sustentar que está fazendo tudo que pode para não exonerar Jacyara Paiva, a Ufes mais uma vez emite sinais que podem ser lidos como “confusos” sobre o caso. A Universidade encaminhou a matéria para reexame da AGU, mas continua a divulgar notas argumentando que não há escapatória e insistindo em tentar construir uma narrativa para justificar a decisão de exonerar Jacyara Paiva como algo fora de seu controle, lavando as mãos e tentando se eximir de responsabilidade.
Comunicados estão sendo enviados para os e-mails institucionais de docentes, técnicas/os e estudantes por meio dos sistemas da Ufes, algo que as lideranças sindicais lembram ser inédito no tratamento da exoneração de servidor/a. Até mesmo mensagens privadas no Instagram, enviadas pelo perfil oficial da Ufes na rede social, têm sido utilizadas para abordar entidades e personalidades que divulgaram apoio à professora Jacyara.
Política institucional inédita e “inovadora”
As entidades questionam o que consideram uso da máquina e do poder de comunicação da Ufes para disseminar a versão sobre os fatos que a Universidade quer contar. E questionam: Jacyara e sua defesa terão direito a falar por meio dos mesmos canais? Terão acesso aos endereços de e-mail de toda a comunidade acadêmica e aos milhares de seguidores da Universidade para apresentarem suas argumentações sobre o caso? A avaliação, portanto, é de que essa política institucional inédita e “inovadora” referenda a desconfiança sobre a existência de uma lógica persecutória a dirigentes sindicais, também marcada pelo racismo estrutural e institucional.
As lideranças sindicais fazem outros questionamentos: por que a Ufes não espera o reexame da AGU para depois definir e justificar sua ação? Por que antecipam a justificativa para uma decisão que, em tese, ainda não está tomada?
Contornos de perseguição política
O processo da professora Jacyara Paiva voltou à cena na Ufes após um pedido de acesso à informação no Sistema FalaBR (Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação) em que não se identifica o solicitante. Isso ocorreu em julho de 2023 questionando as decisões e desdobramentos institucionais do processo judicial, transitado em julgado em 2021.
Após análise desse fato, as entidades entendem haver elementos de temporalidade que contribuem para reforçar os contornos de perseguição política que o caso tem, uma vez que o registro é da mesma época em que a docente encampava mais fortemente a luta pelo cumprimento da Lei de Cotas em concursos para docentes, descumprida pela Ufes desde 2014. Além disso, no mesmo período, Jacyara denunciou situações de assédio e racismo institucional.
Vale ressaltar que, formalmente, Jacyara só foi comunicada a respeito do caso em 4 de janeiro de 2024, quando foi chamada pela Pró-reitoria de Gestão de Pessoas “para informarmos sobre o procedimento administrativo em cumprimento à decisão judicial, conforme orientado no processo, e, acolher eventuais dúvidas que a Senhora tenha”.
Cartas e ofícios a ministros de Lula
O Andes-SN enviou carta ao ministro da Educação, Camilo Santana, solicitando que ele atue como mediador da situação junto à Ufes. Além disso, deputadas/os federais do Psol de vários estados também se articularam e enviaram ofícios solicitando audiências com as/os ministras/os da Educação, Camilo Santana; da Igualdade Racial, Anielle Franco; e dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida.
Outro ofício, também de parlamentares do Psol, foi enviado ao Advogado Geral da União, Jorge Messias, solicitando atenção especial ao reexame do caso à Advocacia Geral da União (AGU), relatando que a decisão de exonerar contraria decisões anteriores da própria Ufes que mantiveram a docente em seus quadros e decorre “não apenas de perseguição interna e assediosa por parte da Universidade, mas em prática de racismo institucional e de acossamento político-sindical, visto que a Sra. Jacyara é uma sindicalista e liderança do movimento negro”.
Clique a confira os documentos:
Carta do Andes ao ministro da Educação.
Ofício de deputadas/os federais do Psol ao ministro da Educação.
Ofício de deputadas/os federais do Psol à ministra da Igualdade Racial.
Ofício de deputadas/os federais do Psol ao ministro dos Direitos Humanos e Cidadania.
Ofício de deputadas/os federais do Psol à AGU.
Entenda
A professora Jacyara Paiva tomou conhecimento do despacho da Procuradoria Federal da Ufes pedindo a sua exoneração do cargo de docente no dia 28 de dezembro. O parecer jurídico se baseia em uma decisão judicial transitada em julgado em 2021.
Tanto a reitoria quanto o departamento da Ufes ao qual Jacyara está vinculada já haviam manifestado, em 2018, o interesse pela permanência da professora e o arquivamento da ação. A docente questionou judicialmente um edital para concurso docente, publicado em 2017, uma vez que o processo seletivo no qual ela havia sido aprovada anteriormente ainda estava com validade. A ação foi iniciada com um mandado de segurança impetrado por Jacyara em desfavor da Ufes, buscando sua nomeação com prioridade para o cargo de Professora do Magistério Superior do Quadro Permanente da Ufes.
Conseguida a liminar, ela adentrou aos quadros da universidade, conforme sentença judicial. “CONCEDO PARCIALMENTE A SEGURANÇA pretendida por JACYARA SILVA DE PAIVA, apenas para reconhecer o direito da Impetrante de ser nomeada com prioridade para o cargo de Professor do Magistério Superior do Quadro Permanente da UFES, do Centro de Educação – Departamento de Linguagens, Cultura e Educação, na Área/Subárea: Educação, na vaga prevista no Edital nº 42/2017, porquanto publicado ainda na vigência do certame anterior (Edital nº 124/2013), no qual a candidata fora aprovada, sendo a próxima classificada na lista de respectiva, ressaltando-se que a nomeação deverá ocorrer em momento considerado oportuno pela Administração, porém, dentro do prazo de validade do certame regido pelo Edital nº 124/2013, e desde que preenchidos os requisitos de investidura previstos no instrumento respectivo, o que será aferido pela Administração”.
Diante da sentença, ambas as partes recorreram em apelação. Entretanto, mesmo com recurso interposto, a Ufes apresentou o Memorando 182/2018/GR/UFES onde conclui pelo interesse na permanência da professora nos quadros da universidade, bem como a necessidade de encerramento do litígio judicial, uma vez que “não há óbice quanto à permanência da professora em questão e, sendo assim, a UFES tem interesse em encerrar o litígio judicial, tornando efetivo o ingresso da referida professora nos quadros funcionais de nossa Instituição”.
Clique e confira tudo que a Adufes já publicou sobre o caso da professora Jacyara Paiva.
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