Ufes se compromete a analisar a estabilidade sindical da professora Jacyara Paiva em relação ao processo de exoneração da docente

Durante reunião nesta quarta-feira, 17 de janeiro, ficou encaminhado que a Procuradoria Federal da Ufes vai analisar o fato de a docente ser 2ª secretária do ANDES-SN com estabilidade sindical

Integrantes da Diretoria do Andes Sindicato Nacional (ANDES-SN) e da Associação dos Docentes da Ufes (Adufes), junto com suas assessorias jurídicas e representação do Movimento Negro, se reuniram nesta quarta-feira, 17 de janeiro, com o reitor da Ufes, Paulo Vargas, para tratar da indicação da Procuradoria Federal para exoneração da professora Jacyara Paiva, que também estava presente.

Durante o encontro, ficou acordado que a Procuradoria Federal da Ufes vai analisar o fato de a docente ter mandato sindical, uma vez que ela é 2ª secretária do ANDES-SN. As advocacias das entidades entregarão à Universidade uma argumentação jurídica quanto à manutenção da professora com mandato sindical vigente, gozando de estabilidade sindical enquanto for da direção do Andes-SN.

Esse foi o encaminhamento da reunião, mesmo após o reitor Paulo Vargas ter reafirmado posicionamento de que não haveria medidas administrativas possíveis diante da decisão judicial transitada em julgado e do parecer da Procuradoria. O teor da matéria publicada no site da Ufes na noite de quarta-feira, 17, surpreendeu os sindicatos, uma vez que não cita o encaminhamento com exatidão e antecipa a decisão de exonerar a professora, tornando a análise com a qual a Universidade se comprometeu uma mera formalidade para a qual já sinalizam uma resposta negativa mesmo antes de receber a argumentação jurídica que está sendo preparada.

Primeira diretora sindical exonerada da história

O presidente do ANDES-SN, Gustavo Seferian, professor do Departamento de Direito do Trabalho e Introdução ao Estudo de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), esteve em Vitória para participar da reunião. Durante o encontro, ele agradeceu a disponibilidade do reitor em receber as entidades, a professora Jacyara Paiva e os movimentos sociais e ressaltou que em 42 anos de história nunca houve exoneração de um/a diretor/a sindical no ANDES-SN, nem mesmo no período da ditadura militar-empresarial no Brasil.

“E isso cai sobre os ombros de quem assina”, afirmou, dirigindo-se ao reitor. Gustavo reafirmou os argumentos jurídicos para manter Jacyara Paiva nos quadros da Ufes, já protocolados na última segunda-feira (15 de janeiro) e também os fatos políticos decorrentes de uma decisão como a que a Ufes afirma estar pronta para tomar.

Clique aqui e confira o documento completo com o recurso protocolado na Ufes em 15 de janeiro.

“O reitor será entoado permanentemente como o responsável pela primeira exoneração de uma professora com mandato sindical na história. E uma professora negra. Não é uma situação feliz. Não queremos levar isso novamente ao judiciário e esgarçar ainda mais a Ufes no processo. O que vocês querem? Pareceres dos maiores juristas administrativistas do Brasil? De professores dos mais renomados programas de pós-graduação da área do Direito? Nós podemos trazer tudo isso a vocês. Professor Paulo, fique do lado certo da história”, disse.

Impacto em outras Universidades

A 1ª secretária do ANDES-SN, Caroline de Araújo Lima, falou sobre o impacto que a exoneração de Jacyara Paiva terá em outras universidades, em especial as que estão sob direção de interventores oriundos do Governo Bolsonaro. “Sabemos que o senhor é do campo progressista e que assumiu a Universidade para evitar um mal maior, então, cumpra esse papel, pois fazer o contrário, é dar voz aos reitores bolsonaristas e terá consequências para todas as universidades e não só para a Ufes”, disse.

“Punida exemplarmente”

Em sua intervenção, a professora Jacyara Paiva começou a se posicionar já durante a sua apresentação: “sou Jacyara, mulher preta, professora desta universidade que vocês brancos querem exonerar”. A docente argumentou que não é coincidência que a primeira dirigente sindical exonerada seja uma mulher, e negra. “No pacto da branquitude é assim que a lei acaba sendo utilizada para prejudicar pessoas negras. Eu me sinto sendo punida exemplarmente por ousar ocupar o lugar que estou ocupando”, disse, após fazer um breve relato de sua trajetória como mulher negra; sobre a história das lutas do movimento negro; e sobre como pessoas brancas da Universidade não veem uma mulher negra como professora, mas sim como a pessoa que serve o cafezinho.

Denuncismo que elimina o contraditório

A presidenta da Adufes, Ana Carolina Galvão, apresentou o abaixo-assinado em favor de Jacyara Paiva, até então com mais de 4 mil assinaturas, e o entregou ao reitor.

Assine o abaixo-assinado aqui.

Ela falou da sua preocupação com o denuncismo dentro das universidades e de como, mesmo em universidades que não têm reitorias bolsonaristas, há um movimento de destruição de quem pensa diferente.

Ana Carolina Galvão acrescentou, ainda, que é uma contradição aprovar uma insuficiente resolução de cotas para concursos e ao mesmo tempo exonerar uma professora que tanto lutou por elas. Além disso, ela lembrou que a fala do procurador Federal da Ufes, Francisco Vieira Lima Neto, presente na reunião, ao assumir que não desejava que isso ocorresse, demonstrava boa vontade para encontrar soluções e pediu que então as saídas fossem analisadas.

O reitor Paulo Vargas reafirmou sua confiança na professora Jacyara Paiva, reconhecendo sua competência e citou sua participação como presidenta da comissão de heteroidentificação da Ufes como uma prova de confiança da Instituição na professora, uma vez que é uma função de grande responsabilidade definindo o ingresso de estudantes e servidoras/es.

Repercussão

Logo depois, Isaías Santana, da Unidade Negra Capixaba, representando os Movimentos Sociais, falou sobre a preocupação da repercussão que esse ato vai ganhar em outras universidades e lamentou que a Ufes seja palco de algo dessa natureza, a demissão de uma professora negra no momento em que a Universidade implementa a política de cotas para pessoas negras nos concursos para docentes.

Isaías ressaltou, ainda, a luta do Movimento Negro dentro e fora da universidade; a importância da professora Jacyara Paiva para dar visibilidade à luta antirracista e o valor dado pelo militante à educação pública, lembrando a luta de seu filho já falecido Lula Rocha nessa temática. Ele acrescentou que sem ouvir o clamor dos movimentos sociais, em todos os espaços, não há democracia.

Participaram da reunião, ainda, a advogada da Assessoria Jurídica do ANDES-SN, Thais Lopes; o advogado da Assessoria Jurídica da Adufes, Jerize Terciano; o jornalista da Assessoria de Comunicação da Adufes, Anderson Cacilhas; a pró-reitora de Gestão de Pessoas da Ufes, Josiana Binda; o chefe de Gabinete da Reitoria da Ufes, Aureo Banhos; a pró-reitora de Planejamento da Ufes, Cristina Engel; a superintendente de Comunicação da Ufes, Ruth Reis; e a diretora de Jornalismo da Ufes, Thereza Marinho.

Entenda

A professora Jacyara Paiva tomou conhecimento do despacho da Procuradoria Federal da Ufes pedindo a sua exoneração do cargo de docente no dia 28 de dezembro. O parecer jurídico se baseia em uma decisão judicial transitada em julgado em 2021.

Tanto a reitoria quanto o departamento da Ufes ao qual Jacyara está vinculada já haviam manifestado, em 2018, o interesse pela permanência da professora e o arquivamento da ação. A docente questionou judicialmente um edital para concurso docente, publicado em 2017, uma vez que o processo seletivo no qual ela havia sido aprovada anteriormente ainda estava com validade. A ação foi iniciada com um mandado de segurança impetrado por Jacyara em desfavor da Ufes, buscando sua nomeação com prioridade para o cargo de Professora do Magistério Superior do Quadro Permanente da Ufes.

Conseguida a liminar, ela adentrou aos quadros da universidade, conforme sentença judicial. “CONCEDO PARCIALMENTE A SEGURANÇA pretendida por JACYARA SILVA DE PAIVA, apenas para reconhecer o direito da Impetrante de ser nomeada com prioridade para o cargo de Professor do Magistério Superior do Quadro Permanente da UFES, do Centro de Educação – Departamento de Linguagens, Cultura e Educação, na Área/Subárea: Educação, na vaga prevista no Edital nº 42/2017, porquanto publicado ainda na vigência do certame anterior (Edital nº 124/2013), no qual a candidata fora aprovada, sendo a próxima classificada na lista de respectiva, ressaltando-se que a nomeação deverá ocorrer em momento considerado oportuno pela Administração, porém, dentro do prazo de validade do certame regido pelo Edital nº 124/2013, e desde que preenchidos os requisitos de investidura previstos no instrumento respectivo, o que será aferido pela Administração.”

Diante da sentença, ambas as partes recorreram em apelação. Entretanto, mesmo com recurso interposto, a Ufes apresentou o Memorando 182/2018/GR/UFES onde conclui pelo interesse na permanência da professora nos quadros da universidade, bem como a necessidade de encerramento do litígio judicial, uma vez que “não há óbice quanto à permanência da professora em questão e, sendo assim, a UFES tem interesse em encerrar o litígio judicial, tornando efetivo o ingresso da referida professora nos quadros funcionais de nossa Instituição.”

Ato #JacyFica

Durante toda a tarde desta quarta-feira, 17 de janeiro, lideranças sindicais nacionais e locais, movimentos sociais diversos, professores, estudantes, e técnicas/os-administrativas/os participaram de atividades da campanha #JacyFica no campus de Goiabeiras da Ufes e acompanharam a professora Jacyara Paiva até a Reitoria da Ufes, onde aconteceu a reunião com o reitor Paulo Vargas.

Logo após o término do encontro, o presidente do ANDES-SN, Gustavo Seferian, falou no saguão do prédio da Reitoria sobre os encaminhamentos da reunião. Em seguida, todas e todos seguiram para a sede da Adufes onde foi realizada outra reunião na qual as/os presentes foram informadas/os sobre mais detalhes. Foram realizadas falas de diversos representantes dos movimentos sociais e tirados encaminhamento de ações a partir dos fatos novos na campanha #JacyFica e da situação da professora na Universidade.

Adufes