Crime ambiental é lembrado na identidade visual criada para o 43º Congresso do Andes-SN, que acontece de 27 a 31 de janeiro de 2025 (ano em que a tragédia completa 10 anos). Evento será realizado no campus de Goiabeiras da Ufes, em Vitória-ES, tendo a Adufes como anfitriã
A recente absolvição, no final de 2024, dos acusados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana-MG, reacendeu o debate sobre como o sistema de justiça brasileiro trata casos envolvendo grandes corporações. O rompimento, ocorrido em 2015, e que completa 10 anos em 2025, deixou uma marca profunda: 19 mortos, destruição de comunidades inteiras, e danos ambientais que persistem até hoje.
Os problemas que se seguiram são múltiplos e complexos: vão desde o comprometimento estrutural das comunidades que foram diretamente soterradas pela lama e que ainda aguardam sua reconstrução; e prejuízos incalculáveis à agricultura familiar e à pesca artesanal, um setor importante da economia local e responsável pelo sustento de dezenas de milhares de famílias; até o prejuízo social e cultural de comunidades que viviam intimamente com os recursos naturais locais como a água, os peixes, e as áreas preservadas às margens do rio e do mar.
Para João Paulo Lyrio Izoton, coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a decisão judicial é mais uma demonstração da proteção concedida ao grande capital, em detrimento dos direitos das comunidades atingidas e da reparação pelos danos causados.
“A absolvição na ação penal que atribuía responsabilidade criminal aos executivos da Samarco, mesmo diante de provas que incluem trocas de e-mails alertando sobre as condições precárias da barragem, é um reflexo de como a Justiça privilegia a segurança jurídica das empresas. Essa postura se repete em outras esferas, como na liberação de áreas contaminadas para pesca”, destacou Izoton.
Contaminação
A contaminação do Rio Doce e do litoral capixaba, longe de diminuir, aumentou nos últimos nove anos, afetando gravemente atividades como a pesca. Apesar disso, o novo acordo prevê a liberação da pesca na área próxima à foz em até dois anos, prazo considerado insuficiente pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) para dispersar nove anos de rejeitos acumulados.
Para o coordenador do MAB, o desastre é um exemplo evidente do impacto das “externalidades” que não são contabilizadas no custo de produção das mineradoras. “A Vale, operadora da Samarco, só consegue se manter competitiva no mercado por não arcar com o custo integral dos recursos naturais que utiliza, nem com a reparação dos danos que causa. Isso só é possível porque a Justiça e o Estado brasileiro permitem. Além de fazer vistas grossas a um amplo hall de violações de leis e direitos, ainda concedem gordos incentivos fiscais para manter a ‘competitividade’ da empresa”, afirmou.
Acordo bilionário, mas insuficiente
O novo acordo de reparação, estimado em R$ 170 bilhões, foi criticado pelo MAB pela falta de transparência e pela distribuição complexa dos recursos. Cerca de R$ 40 bilhões foram destinados ao Espírito Santo, mas os valores serão desembolsados ao longo de 20 anos, o que é insuficiente para atender às demandas emergenciais e estruturais das comunidades afetadas.
“É um montante que impressiona à primeira vista, mas que se dilui quando analisamos a dimensão dos danos e o prazo para a execução das ações. A cada chuva, novos rejeitos descem o Rio Doce, agravando a contaminação. Liberar áreas para pesca em dois anos, sem remover os rejeitos, é um erro grave”, alertou o coordenador.
Além disso, Izoton defende que a única solução para garantir uma reparação efetiva aos danos causados pelo rompimento da barragem é transformar as comunidades atingidas em protagonistas do processo. Ele explica que a avaliação do MAB é de que a gestão da Fundação Renova tem sido marcada por ineficiência e falta de transparência, com altos investimentos que não trouxeram melhorias significativas para as comunidades, muitas das quais estão em situação pior do que em 2015.
João Paulo destaca que a reparação vai além de questões financeiras, exigindo recursos, capacitação e espaços participativos para engajar os atingidos na execução das ações. O Movimento critica a utilização de casos isolados de má utilização de indenizações para desacreditar a luta coletiva das comunidades.
Desafios futuros
O movimento também vê avanços no novo acordo, que trouxe maior participação estatal no processo de reparação. No entanto, Izoton alerta que a implementação de conselhos de participação federal e estadual exigirá muita luta. “Aprendemos com os erros da gestão corporativa da Renova. A reparação precisa ser uma política de Estado, com democracia, transparência e eficiência”, defendeu.
“Nosso trabalho é para as próximas gerações, para que crimes como esse nunca mais se repitam. Seguiremos firmes, como uma grande árvore que resiste aos ventos, oferecendo frutos e sombras para toda a sociedade”, concluiu Izoton.
Ufes
A Adufes considera importante registrar que a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) possui um “Acordo de Cooperação Técnica” milionário com a Fundação Renova para “monitoramento da biodiversidade aquática da área ambiental”, que está em seu 10º termo aditivo, em vigor até novembro de 2025.
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