Pesquisa realizada por docentes da Ufes revela relação entre o uso de agrotóxicos e incidência de doenças graves em agricultores do ES

 

Uma pesquisa realizada pela professora Débora Dummer Meira e pelo professor Iúri Drumond Louro, do Centro de Ciências Humanas e Naturais (CCHN) da Ufes, revelou uma preocupante associação entre a exposição a agrotóxicos e o aumento de doenças como hipertensão, problemas cardiovasculares, renais e neurológicos entre as/os agricultoras/es do Espírito Santo, em especial nas lavoras de café.

O estudo, intitulado “Laying the groundwork: exploring pesticide exposure and genetic factors in south-eastern Brazilian farmers”, foi publicado na revista Current Research in Toxicology. Devido à relevância dos resultados obtidos, eles receberam votos de congratulação da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) no dia 6 de fevereiro, iniciativa da deputada estadual Camila Valadão (Psol). A parlamentar volta a se reunir com as/os pesquisadoras/es ainda em março para debater ações práticas do poder público para o enfrentamento do problema.

A Comunicação da Adufes realizou uma entrevista com a professora Débora Dummer Meira sobre a pesquisa. Ela revelou detalhes sobre as doenças que vêm sendo provocadas pelo uso indiscriminado de agrotóxicos nas lavouras capixabas. Confira.

Adufes: Como os agrotóxicos estudados atuam no organismo? Por que aumentam a incidência dessas doenças (hipertensão, problemas cardiovasculares, renais e neurológicos) em agricultores?

Débora Dummer Meira: O mecanismo de ação dos agrotóxicos em seres humanos e animais é assunto de nossas pesquisas e de outros pesquisadores também, e está mal compreendido ainda no meio científico. Os agrotóxicos, especialmente o glifosato, podem inibir a enzima CYP2C9, que é essencial para o metabolismo de xenobióticos no fígado. Essa inibição compromete a detoxificação de substâncias no organismo, levando a um aumento da toxicidade de compostos nocivos. Além disso, estudos sugerem que o glifosato pode interferir na síntese de hormônios esteroides, afetando a pressão sanguínea e o sistema cardiovascular.

O estudo identificou correlações estatisticamente significativas entre o uso de pesticidas e diversas doenças. Os agricultores expostos apresentaram maior incidência de hipertensão (p = 0.003), doenças cardiovasculares (p = 0.043), doenças renais (p = 0.026) e deficit de atenção (p = 0.018), sugerindo que os sintomas dos agricultores estão correlacionados ao genótipo CYP2C9. Essas doenças podem ser atribuídas à inibição da CYP2C9 e à ação tóxica do glifosato e seus metabólitos, como o AMPA, que contaminam alimentos e água.

Nossas descobertas preliminares fornecem insights sobre a complexa relação entre variações genéticas e exposição a agrotóxicos, estabelecendo as bases para pesquisas futuras. Este trabalho pioneiro sobre associações entre variações genéticas específicas e riscos à saúde devido à exposição a agrotóxicos destaca a importância da medicina personalizada e da regulamentação mais rigorosa do uso de agrotóxicos para a saúde pública e a segurança ocupacional.

Foram estudados agrotóxicos específicos?

Sim. O estudo focou principalmente no herbicida glifosato, amplamente utilizado pelos agricultores do Espírito Santo. Além do glifosato, nosso estudo menciona organofosforados e carbamatos como substâncias de preocupação devido ao seu potencial carcinogênico.

O Brasil permite o uso de pesticidas acima do que é utilizado na média mundial? Como isso impacta a produção e a própria aceitação dos nossos produtos no mercado internacional?

Sim. O Brasil permite concentrações de pesticidas muito superiores às permitidas na União Europeia e nos Estados Unidos. Isso gera um impacto negativo na aceitação dos produtos agrícolas brasileiros no mercado internacional, uma vez que países com regulações mais rígidas rejeitam produtos com níveis elevados de resíduos químicos.

Como você avalia a política de liberação desses pesticidas no Brasil e a sua disseminação no Espírito Santo?

O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, e a política de liberação tem sido bastante permissiva, com uma regulamentação insuficiente para garantir a segurança dos trabalhadores e consumidores. No Espírito Santo, há uma alta exposição ao glifosato, especialmente entre os produtores de café, que frequentemente utilizam pesticidas sem proteção adequada.

Qual nível de restrição seria necessário para proteger tanto agricultores como consumidores?

Seria necessário um maior controle sobre a venda e aplicação de pesticidas, exigindo o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) e promovendo treinamentos obrigatórios para agricultores. Além disso, limites mais rigorosos para resíduos de agrotóxicos nos alimentos e incentivos à produção orgânica poderiam reduzir os impactos à saúde pública.

Os agricultores do Estado têm consciência dos riscos? Como seria possível protegê-los? Quais políticas públicas seriam necessárias?

Muitos agricultores ainda não têm plena consciência dos riscos, e o uso inadequado de pesticidas é comum, incluindo o armazenamento inadequado e a reutilização de embalagens contaminadas. Para protegê-los, seria essencial:

  1. a) Ampliar programas de educação e capacitação sobre o uso seguro de pesticidas.
  2. b) Melhorar o acesso a EPIs adequados.
  3. c) Implementar políticas de vigilância epidemiológica para monitorar os impactos dos agrotóxicos na saúde.

Há incentivos para a ampliação da agricultura orgânica, livre de venenos?

Seria necessário ampliar políticas de incentivo à agricultura orgânica, reduzindo impostos sobre produtos agroecológicos e oferecendo linhas de crédito para pequenos produtores que adotem práticas sustentáveis. Atualmente, o incentivo à agricultura orgânica no Brasil ainda é limitado e precisa ser fortalecido para competir com o modelo convencional de produção.

O estudo realizado por vocês foi encaminhado às autoridades para providências estatais?

No artigo, destacamos a urgência de uma regulamentação mais rigorosa e de uma fiscalização eficaz do uso de pesticidas. Além disso, já temos uma reunião agendada com a deputada estadual Camila Valadão para discutir os impactos do nosso estudo e fornecer dados que auxiliem as autoridades legislativas do estado na tomada de medidas apropriadas.

Adufes