Por André R. V. V. Pereira
Durante a pandemia, o capital financeiro saiu da periferia do sistema capitalista e foi buscar guarida em títulos seguros nos países centrais. A crise sanitária mundial desorganizou os sistemas produtivos, levando ao aumento do desemprego e a uma inflação de custos, devido à falta de insumos, partes, equipamentos, etc. Durante algum tempo, se falou em superar o neoliberalismo e recuperar o intervencionismo estatal. A questão é a seguinte: quem paga por isso? Se o capital (financeiro) não paga, não há como promover intervenção estatal que recupere a capacidade produtiva, corrigindo os vários desequilíbrios; promova empregabilidade e dê ao aparato estatal condições de realizar políticas sociais efetivas.
O governo Bolsonaro forçou estados e municípios a suspender revisões salariais dos servidores em troca de auxílio federal. Nos três níveis, o desinvestimento em atividades como educação, cultura, ciência e tecnologia levaram a uma situação de terra arrasada. Ao mesmo tempo, para atrair capital financeiro de volta ao país e com a desculpa de combater a inflação, o Banco Central voltou a praticar os juros mais altos do planeta. Ou seja, o orçamento executado federal serve para: a) remunerar os “investidores”; b) secundariamente, alimentar as bases eleitorais do Centrão e do bolsonarismo (como os pastores do MEC); c) tentar atrair os setores mais empobrecidos da Sociedade (Auxílio Brasil).
Não há e nunca houve recurso suficiente para uma intervenção estatal qualificada, que controle o preço dos combustíveis, que corrija os desequilíbrios produtivos (como preços dos alimentos), que promova emprego. Isto tem que ser feito pela máquina do Estado, que foi destruída. Um exemplo é o Ministério do Meio Ambiente, o IBAMA e a FUNAI. A mudança de dirigentes e a falta proposital de recursos levou à invasão das terras indígenas, à intensificação da mineração e do corte ilegal de madeiras, às queimadas. Não se trata de incompetência. É um projeto.
Do ponto de vista discursivo, este projeto é sustentado no desvio da atenção, como na falsa polêmica sobre o aborto, a partir de uma declaração de Lula. Não há polarização entre Bolsonaro e Lula. Polarização implica que um polo ataque o outro, de forma a facilitar a percepção das diferenças. Lula, o PT e outros setores da esquerda estão fazendo de tudo para obter vitórias eleitorais, buscando moderação e alianças com grupos de poder que não querem mudar o que está aí.
Enquanto isso, a Sociedade se movimenta. Aqui em Vitória, estudantes de duas escolas periféricas fazem manifestações e ocupam as ruas reclamando da ausência de docentes. Eles querem se habilitar para o concurso do IFES e não podem. Uma organização de base dos professores havia denunciado o problema, pois o governo do Delegado Pazolini suspendeu os contratos temporários e esvaziou as escolas. Ao mesmo tempo, famílias sem-teto acampam na frente da Prefeitura. O que o Delegado faz? Manda a Guarda Municipal intimidar os que ficaram na escola que ocuparam anteriormente, de onde boa parte saiu para a manifestação. Artistas saem às ruas reclamando da suspensão das leis de incentivo. Indígenas ocupam Brasília para defender suas terras contra a mineração. Várias categorias de servidores, como o pessoal da enfermagem e do Incaper, se articulam.
O Estado brasileiro, nos três níveis, foi sucateado de propósito. A inflação (Petrobras nas mãos dos “investidores”), o desemprego e a crise social derivam de uma manipulação do aparelho estatal. As lutas por escola, por habitação, por serviço público eficiente, por defesa do meio ambiente estão aí. Elas estão desarticuladas, pois a esquerda optou pela moderação e ainda dá palanque à extrema direita. Há um potencial para a mudança, para a cidadania ativa, a partir das bases. Há uma possibilidade de que as lutas dos servidores públicos e dos trabalhadores se articulem e foquem na concentração de renda. O que não há é vontade política das lideranças nacionais para que isto ocorra.
André R. V. V. Pereira – Professor do Departamento de História da UFES
Aviso – Os textos dos docentes não expressam, necessariamente, a opinião da diretoria da Adufes. Se você, docente associada(o), deseja contribuir com textos autorais ou co-autorais opinativos, análises, crônicas, ensaios, poemas, contos, envie-nos em formato doc (aberto), acompanhado de uma foto e breve biografia.
Como manifestação livre da categoria, as contribuições podem versar sobre temáticas direta ou indiretamente ligadas às pautas do movimento sindical. Recebidos em fluxo contínuo, os textos serão publicados conforme a ordem de recebimento ou urgência do tema. Entre em contato!
Adufes