Em seu despacho, além de reiterar não haver irregularidade na medida, a procuradora da República do MPF Elisandra de Oliveira Olímpio questiona a Ufes sobre a adoção de política semelhante em toda a universidade
O Ministério Público Federal (MPF) arquivou a representação do deputado estadual Capitão Assumção que solicitava que fossem investigadas possíveis irregularidades na Resolução 009/2021, do Conselho Departamental do Centro de Educação (CE) da Ufes, que dispõe sobre a garantia de acesso aos banheiros do CE conforme identidade de gênero por travestis, transexuais e transgêneros e dá outras providências.
Clique aqui e leia a íntegra da decisão do MPF que arquivou a representação.
A Resolução, elaborada a partir do trabalho da Comissão Permanente de Ações Afirmativas do Centro de Educação, debatida e aprovada no Conselho Departamental, prevê que, para o acesso aos banheiros, não deve ser considerado o sexo biológico, mas respeitada a escolha de acordo com a identidade de gênero. Além disso, foram providenciados placas e cartazes informativos nos banheiros, vestiários e demais espaços, segregados por gênero, assegurando o direito.
O texto prevê, ainda, o desenvolvimento de ações de formação com servidoras/es docentes, servidoras/es técnico-administrativos e funcionárias/os de empresas terceirizadas para assegurar tratamento digno às pessoas transexuais, travestis e transgêneros, o respeito ao seu nome social e à sua identidade de gênero. Na mesma perspectiva, foram previstas ações educativas para estudantes dos cursos de graduação e pós-graduação do CE acerca da diversidade de gênero.
Comissão Permanente de Ações Afirmativas
O Centro de Educação instituiu uma Comissão Permanente de Ações Afirmativas em 2021, da qual fazem parte docentes do magistério superior, docentes EBTTs, TAEs e estudantes. O objetivo é propor ações efetivas de acesso e permanência de estudantes que constituem grupos sociais desconsiderados durante décadas pelo ensino superior.
De acordo com o presidente da Comissão Permanente de Ações Afirmativas do Centro de Educação, professor Alexsandro Rodrigues, há muitos anos vem se pautando a necessidade de pensar os espaços dentro da Universidade de segregação por gênero, Mas o marco acontece em 2014, quando a Ufes regulamenta o uso do nome social desde a entrada na Universidade para todas/os. A partir daí, as políticas de permanência começam a ser pautadas com mais força.
“Essa política de banheiros é um política de identidade de gênero para pessoas trans e travestis. E é uma política de direitos humanos. Temos que acolher esses corpos porque usar o banheiro passa pela dignidade e pelo direito. Nem todos ocupavam a universidade do mesmo jeito. E fizemos isso a partir da perspectiva da permanência, do sucesso e longevidade escolar, considerando tratados internacionais. Para sustentar esse direito humano recorremos à Constituição de 88, aos parâmetros curriculares, jurisprudências. Isso demonstra que há comprometimento do Centro de Educação com a diversidade e com o direito à diferença”, explicou Alexsandro.
O professor acrescenta que a resposta do MPF pode ser a oportunidade para disparar a ampliação dessa política. “Não é uma política do Centro de Educação, mas institucional da Ufes”, acrescentou.
A vice-diretora do Centro de Educação, Andrea Antolini Grijó, explicou que o arquivamento pelo MPF tem efeito prático e político porque dá um recado a toda comunidade de que não há ilegalidade no procedimento adotado pelo CE, e que há respaldo reconhecido juridicamente para que as ações afirmativas sigam fortalecendo as condições de permanência na Universidade de grupos que foram invisibilizados por políticas de exclusão.
“Sempre soubemos que não havia ilegalidade na decisão, mas é importante que o poder constituído se manifeste, tratando de temas tão importantes porque, para além de assegurar direitos, favorece que essa iniciativa se dissemine não somente na Universidade, como em outros espaços públicos. Nosso trabalho vincula-se diretamente à formação de professoras/es, pedagogas/os, gestoras/es educacionais e pesquisadoras/es do campo da educação, e temos certeza de que as práticas de respeito à diversidade, à pluralidade das existências, são elementos indispensáveis e transformadores para a constituição de uma sociedade em que as diferenças não se transformem em desigualdade. Pode parecer um passo pequeno na construção desse propósito, mas temos certeza de que é decisivo”, enfatizou.
MPF questiona Ufes sobre o restante da Universidade
Em seu despacho, que arquivou a representação do parlamentar e reiterou não haver irregularidade na medida, a procuradora da República do MPF Elisandra de Oliveira Olímpio questiona a Ufes sobre a adoção de política semelhante em toda a universidade. “Solicito que, no prazo de 10 (dez) dias, informe qual o regramento utilizado pela Universidade Federal do Espírito Santo, no que se refere ao acesso de pessoas transgêneros, transexuais e travestis aos banheiros da instituição e demais espaços assemelhados (vestiários e etc.)”, diz o documento datado de 24 de maio.
Ana Heckert, diretora da Adufes, explica que o arquivamento não apenas respalda juridicamente a ação ético-política do CE, mas também sinaliza para a Ufes a importância e a necessidade de ampliar ações relativas às políticas afirmativas, aos direitos humanos.
“É necessário e urgente que a Ufes defina esta e outras questões como uma política institucional, e não feche os olhos ou silencie acerca de discriminações e violências que muitos grupos minoritários experimentam no cotidiano da instituição. A decisão é um importante aporte jurídico que permite à administração da Universidade e aos conselhos superiores deliberarem sobre políticas afirmativas para os grupos LGBTQIA+, que não se reduzem ao uso dos banheiros. Há muitas medidas a serem tomadas para dirimir a discriminação e o preconceito que esses grupos vivenciam de forma violenta. E a universidade, como espaço de formação e de pesquisa, precisa ter iniciativas que contribuam para que a sociedade repense valores e crenças que constrangem a vida e o exercício de direitos sociais e políticos”, defendeu.
A diretora da Adufes acrescenta que a implementação de comissões de ações afirmativas é uma medida necessária e que já deveria ter se tornado uma política institucional, regulamentando sua existência em todos os centros da Ufes. Ela lembra que outros centros da universidade já tiveram comissões como a do CE, mas que não tiveram continuidade, uma vez que tal ação acaba se tornando local.
“Há muitos problemas ocorrendo na universidade com a retomada das aulas presenciais no que se refere às práticas racistas, machistas, lgtbfóbicas, discriminatórias, etc., que permeiam o cotidiano da universidade, e que vêm esvaziando as políticas afirmativas conquistadas com muita luta por vários movimentos sociais/entidades. Estas comissões podem não apenas propor importantes ações de apoio às políticas afirmativas, como fez o CE, como também acompanhar a sua implementação. Para isso, cabe aos conselhos superiores cumprir sua tarefa ético-política, propondo uma resolução que regulamente para toda a universidade a criação de comissões locais de ações afirmativas, por centro de ensino e setor”, disse, lembrando que a Adufes tem um papel fundamental no processo, no sentido de efetuar debates e propor ações, como também de apoiar as proposições de outros segmentos como os estudantes e os TAEs.
A Adufes tem efetuado ações formativas, por meio de seus GTs, além de apoiar atividades como publicação de artigos e discussões em seus canais de comunicação com análises acerca das questões que envolvem as políticas afirmativas.
A Pró-reitoria de Assuntos Estudantis da Ufes foi procurada para repercutir a decisão do MPF e o questionamento feito pela procuradora da República acerca da adoção de política semelhante à do CE em toda a Universidade, mas não se pronunciou sobre o assunto.
Adufes