Proposta de nova legislação de cotas em concursos públicos prevê aumentar o mínimo da reserva de vagas para 30%

Enquanto isso, Ufes ainda não cumpre a legislação atual, que vencerá em 2024, em concursos para docentes

Desde 2014, quando foi instituída a reserva de 20% de vagas para candidatas/os negras/os em concursos públicos, não houve muito avanço nas universidades com relação à seleção para professoras/es. À medida que a atual legislação se aproxima de seu vencimento, que ocorrerá em 2024, uma nova lei está sendo construída a partir da experiência obtida nesses nove anos da lei atual.

Um Grupo de Trabalho (GT) com representantes de diversas áreas está construindo uma nova proposta de legislação dentro do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos que será apresentada ao Congresso Nacional. O diretor da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN) e professor da Universidade Estadual de Maringá, Delton Felipe, adianta que o texto trará um aumento do mínimo da reserva de vagas maior: 30%. As instituições manterão a autonomia para ampliar esse percentual.

Haverá uma recomendação de proporcionalidade para setores com pouca diversidade, com o Ministério fornecendo diretrizes, embora sem força de lei, que também abarcará as possíveis formas de reparações em decorrência da não aplicação da lei desde 2014. O objetivo é proporcionar segurança jurídica para as instituições e fortalecer os movimentos sociais para que tenham ferramentas para pressionar as instituições que não poderão alegar a falta de arcabouço jurídico para agir.

Fiscalização

O professor lembra que, nesse cenário, há necessidade de uma fiscalização mais efetiva por meio de instrução normativa que evite a burla da lei. As comissões de heteroidentificação precisarão ser fortalecidas, uma vez que a ancestralidade não será mais considerada para efeito de cotas. Também está proposta a inclusão de vagas suplementares para indígenas e pessoas trans.

O processo tem passado pelo crivo do Jurídico para evitar brechas, antes de ser encaminhado para o debate legislativo. A proposta também pretende incentivar a esfera estadual a replicar legislações semelhantes.

Delton Felipe explica que a avaliação é de que a legislação atual não conseguiu aumentar o número de pessoas pretas dentro das universidades, fator fundamental para combater o racismo por meio da presença destas pessoas na academia e em diversas outras posições.

Ele lembra que as instituições utilizam manobras administrativas, em especial universidades e órgãos do Judiciário, para deixar de cumprir a lei de cotas. Concursos fracionados com poucas vagas não garantem a reserva de vagas.

Além disso, o contexto político do país nos últimos anos agravou a situação com redução do número de concursos públicos, aliada às pressões orçamentárias impostas pelo teto de gastos, limitando a abertura de novas vagas.

Avançar

A vice-presidenta da Adufes, Jacyara Paiva, aponta que a nova legislação avança um pouco mais no sentido de aumentar o percentual das cotas em concursos docentes, passando de 20% para 30%, mas destaca que ainda é pouco, considerando que a população negra ainda está fora da docência. “Precisamos de docentes negras/os em todas as áreas de conhecimento das universidades, não só na área de humanas. Precisamos impregnar a universidade com a construção de nosso conhecimento afrocentrado, mas para isto precisamos investir de forma pesada na permanência dos estudantes na graduação, garantindo uma boa formação, garantindo mestrado e doutorado com bolsas dignas que lhes permitam pensar nesta possibilidade”.

A professora lembra que, em decorrência do baixo número de docentes negras/os, há toda sorte de violência, de epistemicidios, além de ausência de legislação que puna a prática de racismo institucional no cotidiano das universidades.

“Não podemos avançar tão devagar. Temos mais de nove anos de negação de uma lei. A lei 12.990/2014 foi burlada pela maioria de nossas universidades. Quantas/os negras/os foram impedidos de entrar como docentes na universidade pelo não cumprimento da lei? Quando falamos em cotas, não estamos falando em reparação, necessariamente, porque não se repara sangue derramado de um povo. Não estamos falando em cognitivo, porque cotas não é sobre incapacidade. Estamos falando sobre tentativas de minorar o mau causado pelo racismo estrutural e institucional que se reelabora a cada dia e que violenta, adoece e mata o povo negro das mais diversas formas. Estamos falando da nossa universidade que em 69 anos nunca teve um/uma reitor/a negro/a, estamos falando das pró-reitorias em sua maioria comandadas por pessoas brancas, de nossos Conselhos onde quase não vemos pessoas negras. Tudo isso escancara o racismo estrutural e institucional”, concluiu.

Adufes