Ailton Krenak leva milhares de pessoas à Adufes: “obrigado por me receberem em sua aldeia”

Galeria de fotos no final da matéria – Em conferência gratuita na última sexta-feira, 1 de dezembro, líder indígena, recém-eleito para a Academia Brasileira de Letras (ABL), afirmou que a humanidade é hoje prisioneira de ideias suicidas que a farão “torrar”, literalmente, enquanto outras espécies sobreviverão

O líder indígena, filósofo da floresta, ambientalista, escritor e ocupante da cadeira número 5 da Academia Brasileira de Letras (ABL), Ailton Krenak, esteve na Associação dos Docentes da Ufes (Adufes) na última sexta-feira, 1 de dezembro, onde realizou a Conferência “Futuro Ancestral”, mesmo nome do seu mais recente livro. O evento foi aberto, ao ar livre, em frente à sede da Adufes, no campus de Goiabeiras da Ufes, em Vitória, e atraiu milhares de pessoas.

O convidado é conhecido por seus escritos e palestras nos quais faz a crítica ao sistema capitalista, à visão eurocêntrica de civilização e ao colonialismo, todos relacionados à formação da sociedade brasileira, assim como à relação consumista que a humanidade estabelece com o planeta. Ele também aborda como esses fatores colocam a vida em risco, levando o meio ambiente ao colapso.

Durante o evento, não foi diferente. Krenak lembrou que o planeta é um organismo vivo, que produz a todas/os, incluindo os seres humanos. Esse organismo tem o funcionamento de suas diversas partes interligado, tem um humor e um equilíbrio necessário para funcionar. O que a sociedade capitalista faz na relação de consumo que estabeleceu com a Terra resulta no que está sendo chamado de Antropoceno, um período geológico novo cuja característica é o impacto do ser humano sobre o planeta.

Krenak foi direto com a plateia e disse que “iremos torrar e morrer”. Ele enfatizou que isso é parte de uma sociedade prisioneira de ideias suicidas e que outras espécies sobreviverão às temperaturas de cerca de 60 graus prolongadas que podem vir, mas os humanos não. “O que acontecerá com o meio ambiente se nós continuarmos consumindo?”, perguntou.

Guerras e exploração

Para o Líder indígena, todas essas questões estão relacionadas, incluindo o fato de a civilização atual ser dependente da mineração, do petróleo e do gás, se tornando uma sociedade do carbono. Tudo isso com bilhões de pessoas amontoadas em grandes metrópoles que não têm solução, mas que são consideradas confortáveis para o modo de vida em que tudo precisa estar à mão.

Esse conjunto de fatores resulta nas guerras para o controle da exploração dos chamados “recursos naturais”, incluídos aí o próprio ser humano, produzindo riqueza para um pequeno grupo e miséria e sofrimento para a grande maioria das pessoas, com milhões de refugiados e um planeta que sofre para atender a pessoas que amam mais as mercadorias do que as/os próprias/os filhas/os.

O público ficou com o desejo de que mais eventos como este sejam realizados e que o debate sobre esses temas urgentes seja promovido de maneira mais ampla e aberta dentro da Universidade. O estudante de Artes Visuais da Ufes Yuri Bortoli falou da alegria que sente em seu coração por poder ouvir Ailton Krenak, personalidade que ele achou que nunca conheceria. “Essa palestra foi superimportante, com temas contemporâneos e atuais que eu considero que precisam ser pautados com mais periodicidade. Eu amei tudo. Por mais conferências assim! E Ufes, Terra Indígena!”, destacou.

Abertura

Durante a abertura do evento, grupos de indígenas das aldeias Guarani e Tupinikim de Aracruz fizeram apresentações culturais. Mais cedo, acompanharam Ailton Krenak nas atividades realizadas no auditório do Centro de Ciências Exatas (CCE) dentro da programação do evento “IV Ecologias insubmissas com ideias para adiar o fim do mundo”. De lá, eles seguiram para a Adufes numa caminhada por parte do campus de Goiabeiras da Ufes para serem recebidos no Sindicato. O evento teve, ainda, a presença de Noua Krenak, filha de Ailton Krenak e que mora na Grande Vitória.

A abertura da Conferência também contou com a manifestação da presidenta da Adufes, Junia Zaidan. Ela saudou Krenak e o público, ressaltando a importância da presença da liderança indígena no Sindicato e na Ufes, reafirmando o mote do evento “Ufes, terra indígena” e lembrando que a luta não cessará diante das tentativas de parar os movimentos sociais. Junia homenageou as vítimas do atentado nas escolas de Aracruz em 2022, quando quatro mulheres (três professoras e uma aluna) foram assassinadas e outras 13 pessoas ficaram feridas, num atentado de caráter neonazista.

Junia Zaidan lembrou, ainda, que na semana da visita de Krenak à Adufes, no período que antecedeu ao evento, quando ele estava com seus irmãos nas aldeias indígenas também em Aracruz, o poder econômico mostrou sua truculência. Policiais militares e seguranças da transnacional Suzano, produtora de celulose na região, prenderam o líder quilombola Antonio Rodrigues de Oliveira, o Antonio Sapezeiro. Ele foi solto após a mobilização popular que levantou rapidamente recursos para o pagamento de sua fiança. A presidenta da Adufes ressaltou que a PM que prendeu Antonio é a mesma que ocupa os campi da Ufes sem que essa decisão tenha sido debatida com a comunidade universitária.

A vice-presidenta da Adufes, Jacyara Paiva, também falou na abertura do evento, lembrando que a sexta-feira é dia de Oxalá, o orixá mais velho, e que por isto representa a ancestralidade e é associado à criação do mundo, da humanidade, aquele que traz energia e equilíbrio para o enfrentamento das lutas diárias.

“Então a gente inicia saudando nossa ancestralidade, nossos mais velhos, nossos mais novos, saudando Ailton Krenak. Nós da diretoria atual deste Sindicato estamos encerrando um ciclo, um ciclo com muitas lutas, em especial contra o racismo, contra o machismo, contra todas as formas de opressão que sustentam o capitalismo. Ter sua presença aqui hoje se reveste de alegria, honra e esperança para continuarmos na luta por novos marcos civilizatórios”, ressaltou Jacyara.

O professor Soler Gonzalez, coordenador do Projeto de Extensão Narradores da Maré e organizador do evento também saudou o público e agradeceu a presença de Krenak no evento. Fez uso da palavra, ainda, Nicole Soares, coordenadora do curso de Licenciatura Intercultural Indígena – Prolind/Ufes, que criticou a Ufes por ainda não ter instituído uma política específica para o ingresso de indígenas.

Honoris causa

Ao final do evento, o professor aposentado da Ufes, Vitor Buaiz, filiado à Adufes, ex-prefeito de Vitória e ex-governador do Espírito Santo, subiu ao palco e foi aplaudido ao propor que o Conselho Universitário da Ufes conceda o título de doutor honoris causa a Ailton Krenak. O líder indígena já recebeu o mesmo título das universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e de Juiz de Fora (UFJF).

Krenak

Krenak foi eleito em outubro deste ano para a cadeira número 5 da Academia Brasileira de Letras (ABL). O líder indígena nasceu em 1953, em Itabirinha (Minas Gerais) e hoje vive na Reserva Indígena Krenak, em Resplendor, também em Minas. Além de “Futuro Ancestral”, Krenak é autor de diversos outros livros como “Ideias para adiar o fim do mundo”, “A vida não é útil” e “O Amanhã não está à venda”. Ele teve obras traduzidas para mais de treze países.

Krenak também participa do primeiro episódio (As Guerras da Conquista) do documentário “Guerras do Brasil.doc”, disponível na Netflix e no YouTube. Entre suas colocações, ele defende a ideia de um Brasil que é uma invenção, considerando que a chegada da esquadra portuguesa comandada por Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500, não foi um evento de fundação. Para ele, as invasões nunca pararam e até hoje as terras originalmente indígenas continuam sendo invadidas.

Ele ressalta que o território que viria a ser chamado de Brasil era habitado por inúmeras nações indígenas há milhares de anos, provocando uma reflexão sobre a invasão e a extrema violência contra os povos indígenas e a sua resistência, lembrando que os povos que aqui estavam nunca se renderam e que o conflito permanece. Ele salienta que o mundo dos brancos continua em guerra com os mundos das nações indígenas e que a sugestão de que há paz é uma falsificação ideológica para manter o sistema funcionando.

A Conferência “Futuro Ancestral” foi uma realização da Adufes e do projeto de extensão Narradores da Maré junto com o Grupo de Pesquisa Territórios de Aprendizagens Autopoiéticas/CNPq. Apoio da Proex, Sead, Secretaria de Infraestrutura da Ufes, Prolind, Centro de Educação (CE), Centro de Ciência Humanas e Naturais (CCHN) e Mestrado Profissional em Educação (PPGMPE).

Fotos: Sérgio Cardoso e Rodrigo Gavine.

 

 

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