Em 2018, Ufes decidiu efetivar professora e encerrar o litígio judicial. Para entidades, mudança no entendimento é indício de perseguição à professora, hoje líder sindical nacional e liderança da luta antirracista na Ufes que pressiona pelo cumprimento das cotas para concursos de professores
No início da noite de 28 de dezembro, a professora Jacyara Paiva tomou conhecimento de um despacho da Procuradoria Federal da Ufes pedindo a sua exoneração do cargo de docente. O parecer jurídico se baseia em uma decisão judicial, transitada em julgado em 2021. Haverá mobilização nesta segunda-feira, 15/01, a partir das 9h30, na sede da Adufes, para expressar apoio à professora Jacyara durante a agenda com a Administração Central na ocasião.
Tanto a reitoria quanto o departamento da Ufes, ao qual Jacyara está vinculada, já haviam manifestado, em 2018, o interesse pela permanência da professora e o arquivamento da ação. “Foi com espanto que recebi, no dia 28 de dezembro, às 18h29, o pedido da Procuradoria Federal da minha exoneração da Ufes. O espanto e estranhamento surgem porque esse processo foi encerrado em 2021, e só agora vem essa decisão. Ainda em 2018, esse processo teve uma movimentação administrativa, em que, meu departamento e a reitoria da Ufes, optaram pela minha permanência na universidade”, contou a docente, que também é 2ª secretária da Regional Leste do Andes-SN.
Além de ser dirigente do Sindicato Nacional, Jacyara era vice-presidenta da Associação de Docentes da Ufes (Seção Sindical do Andes-SN) até dezembro do ano passado. A docente desenvolve projetos em temas como desigualdade e pobreza, processos educativos em espaços não escolares e educação para relações étnico-raciais. Ela é militante do movimento negro capixaba e do movimento de meninas e meninos de rua do Brasil.
“Fiquei me perguntando a quem interessa o meu desligamento da Ufes? Por que esse desligamento foi solicitado em 28 de dezembro, às 18h29, em plenas férias. Por que essa coisa tão abrupta ocorre? Esses questionamentos ficam, com o aviso de que nós não vamos aceitar isso passivamente, porque não é só sobre Jacyara, é sobre a presença do povo negro dentro dessa universidade que, até hoje, desde 2014, não cumpre a lei de Cotas. Ao invés disso, a universidade faz o movimento contrário, colocando para fora o povo negro? Essas questões ficam em nossa mente e a nossa luta pela permanência do povo negro nas universidades públicas brasileiras continua”, acrescentou a docente.
Surpreendente
Para a presidente da Adufes, Ana Carolina Galvão, é surpreendente que esse processo seja retomado nesse momento, durantes as férias, justamente quando a universidade está, depois de nove anos, finalmente iniciando o seu processo de cumprimento da Lei de Cotas nos concursos públicos para docentes. “É contraditório, portanto, ir na contramão das suas próprias decisões e fazer o desligamento da professora Jacyara nesse momento. O Andes-SN e a Adufes se solidarizam com a professora e já mobilizaram suas assessorias jurídicas. Estamos também disponíveis e buscando diálogo com a Reitoria”, afirmou.
É a Ufes que decide
O parecer emitido pela Assessoria Jurídica Nacional (AJN) do Andes-SN destacou que o interesse da universidade deve permanecer, independentemente da orientação da Procuradoria Federal, uma vez que foi declarado expressamente que há o interesse em permanecer com a professora nos quadros da Ufes. Ressaltou também que a docente goza ainda de estabilidade sindical, não podendo ser demitida nesse momento, a não ser por falta grave, o que não é o caso.
“Importante destacar que, mesmo havendo o Parecer com força executória feito pela AGU, não constitui ato de efeito vinculativo, uma vez que a Administração Pública não está obrigada a segui-lo se seu interesse for contrário”, explicou a AJN. Ou seja, se a Ufes estiver de acordo com a nomeação da docente, pode sobrepor qualquer ordem judicial, inclusive a de exoneração, a não ser também em situação de falta grave.
Gustavo Seferian, presidente do Andes-SN, apontou que o momento da decisão explicita a perseguição à professora por ser dirigente sindical e reconhecida liderança do movimento negro e da luta anticapacitista, não apenas no Espírito Santo. “Jacyara tem um enfrentamento que é significativo não só em defesa do seu cargo, mas também em defesa do que é a liberdade de organização e luta sindical no nosso país. Desse modo, eu conclamo toda a base do Andes-SN, toda a militância do nosso sindicato, para que possa sair em defesa de Jacyara e possibilitar que a Ufes, que pode muito bem reconhecer a permanência de Jacyara em seu cargo, assim o faça”, convocou o presidente do Sindicato Nacional.
Entenda
A docente questionou judicialmente um edital para concurso docente, publicado em 2017, uma vez que o processo seletivo no qual ela havia sido aprovada anteriormente ainda estava com validade. A ação foi iniciada com um mandado de segurança impetrado por Jacyara em desfavor da Ufes, buscando, sua a nomeação, com prioridade, para o cargo de Professor do Magistério Superior do Quadro Permanente da Ufes.
Conseguida a liminar, ela adentrou aos quadros da universidade, conforme sentença judicial. “CONCEDO PARCIALMENTE A SEGURANÇA pretendida por JACYARA SILVA DE PAIVA, apenas para reconhecer o direito da Impetrante de ser nomeada com prioridade para o cargo de Professor do Magistério Superior do Quadro Permanente da UFES, do Centro de Educação – Departamento de Linguagens, Cultura e Educação, na Área/Subárea: Educação, na vaga prevista no Edital nº 42/2017, porquanto publicado ainda na vigência do certame anterior (Edital nº 124/2013), no qual a candidata fora aprovada, sendo a próxima classificada na lista de respectiva, ressaltando-se que a nomeação deverá ocorrer em momento considerado oportuno pela Administração, porém, dentro do prazo de validade do certame regido pelo Edital nº 124/2013, e desde que preenchidos os requisitos de investidura previstos no instrumento respectivo, o que será aferido pela Administração.”
Diante da sentença, ambas as partes recorreram em apelação. Entretanto, mesmo com recurso interposto, a Ufes apresentou o Memorando 182/2018/GR/UFES onde conclui pelo interesse na permanência da professora nos quadros da universidade, bem como a necessidade de encerramento do litígio judicial, uma vez que “não há óbice quanto à permanência da professora em questão e, sendo assim, a UFES tem interesse em encerrar o litígio judicial, tornando efetivo o ingresso da referida professora nos quadros funcionais de nossa Instituição.”
Adufes