Quase que a totalidade das pautas locais reivindicadas durante a greve não avançaram e é preciso lembrar que os problemas não desapareceram com o fim do movimento paredista
O pedido de prorrogação do prazo para a entrega das avaliações dos relatórios parciais de Iniciação Científica (IC) na Ufes se tornou uma novela. A data de vencimento caiu no meio da greve docente federal (13 de maio) e isso resultou no cerceamento ao direito de greve das/dos docentes da Ufes. A prorrogação, solicitada formalmente desde 7 de maio, só foi respondida à Adufes no dia 15 de julho, após muitas idas e vindas e ao final do movimento paredista.
No dia 22 de abril, o Departamento de Pesquisa da Ufes notificou as/os docentes sobre a data-limite para a avaliação dos relatórios parciais marcada para 13 de maio de 2024. A Adufes, considerando o impacto da greve, solicitou que a Administração Central revisasse o calendário e submetesse uma proposta de alteração ao Comitê de Iniciação Científica.
Após uma reunião realizada com a Reitoria da Universidade no dia 6 de maio, a Adufes formalizou sua primeira solicitação de alteração do prazo através do Ofício nº 27/2024/ADUFES, no dia 7 de maio. No mesmo dia, um segundo ofício foi enviado à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, pedindo “prudência e razoabilidade” para a prorrogação dos prazos até o fim da greve.
No entanto, após reuniões em 6 e 14 de maio e novas solicitações, incluindo o Ofício nº 32/2024/ADUFES de 17 de maio, a Administração Central da Ufes não atendeu prontamente às demandas como a urgência do tema exigia. A Adufes reiterou o pedido de respeito ao direito de greve e a garantia de um prazo adicional de 30 dias após o término do movimento para a entrega das avaliações.
Em 5 de junho, o Sindicato contestou a resposta da Ufes no Ofício nº 494/2024/GR/UFES. Não se tratava de um atendimento à solicitação de prorrogação, pois informava uma extensão de apenas uma semana após o prazo inicial por motivos operacionais e sem considerar o andamento da greve que naquele momento acontecia sem previsão de encerramento. A Adufes reafirmou sua reivindicação por um prazo justo, a contar a partir do final da greve, destacando que a situação estava sendo tratada de forma inadequada e que havia falta de comunicação entre os diversos órgãos da universidade.
Em uma nova reunião, no dia 14 de junho, a Adufes reforçou suas demandas, mas a resposta definitiva só foi recebida em 15 de julho, com a aprovação da prorrogação pelo Reitor.
Direito negado
A Adufes lamenta a demora na resposta e a necessidade de múltiplas solicitações para que a questão fosse finalmente resolvida. Isso privou as/os docentes de receberem uma orientação adequada durante a greve, deixando mais de 800 delas/es inseguras/os quanto às possíveis penalidades, o que acarretou no cerceamento ao direito de greve, uma vez que grande parte da categoria optou por realizar a avaliação em meio ao movimento paredista. Importante registrar que a alteração de data de avaliação parcial não tem (e de fato não teve) nenhuma implicação sobre o pagamento das bolsas de IC para estudantes, o que reforça que a situação era plenamente possível de ser contornada.
Em ofício enviado à Administração Central da Ufes no dia 1 de agosto (nº 59/2024), a Adufes relata sua frustração com a demora na resposta: “Ocorre que em tal processo, em sua peça sequencial 18, em resposta enviada ao Gabinete da Reitoria em 20 de junho, o Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação informa que ‘O sistema continua aberto para avaliações e o Comitê Gestor da Iniciação Científica da Ufes aprovou em 05/06/2024 a não aplicação de penalidades para aqueles que ainda não avaliaram os relatórios parciais’. Assim, observa-se que além da imensa demora na análise dos pedidos feitos até então, houve uma desorganização entre Administração Central (Reitoria e PRPPG) e seus representantes na Comissão de Interlocução, posto que em 11 de junho (ofício) e em 14 de junho (reunião) pareciam desconhecer a decisão do Comitê Gestor da Iniciação Científica, tomada em 5 de junho de 2024”.
Pautas locais não avançam na Ufes
A situação da Iniciação Científica ilustra os desafios na gestão de crises acadêmicas em tempos de greve, e é apenas um exemplo de como não houve avanços no debate das pautas locais durante o movimento paredista. É importante lembrar que os problemas relacionados às pautas locais reivindicadas durante a greve não desapareceram com o fim da greve.
Para além do exemplo da reivindicação sobre os prazos de avaliação dos relatórios da IC, não houve nenhum avanço nas pautas a seguir: condições dos ambulatórios do Hospital Universitário; cotas na Iniciação Cientifica; situação do RU (fim do gradeamento, qualidade da alimentação e café da manhã); oferecimento de moradia estudantil; recomposição do GT Reparação (cotas raciais em concurso para docentes); garantia de acessibilidade e condições de mobilidade nos prédios da Ufes; visibilidade das/dos aposentadas/os; inclusão na resolução 60/92 do fator multiplicador 2,5 nas atividades de ensino e outras alterações; qualificação dos processos de progressão docente; condições de trabalho das/os docentes na Ufes; e garantia do ensino presencial, com arquivamento das propostas do Reuni Digital e Portaria 2.117/2019.
A resposta recebida para essas demandas colocadas nas mesas de negociação com a Comissão de Interlocução foi o arquivamento no sistema após a greve, sem o chamamento para sequer uma reunião com a representação da categoria.
Além do atendimento tardio à demanda sobre a avaliação dos relatórios de IC, uma única demanda das professoras EBTT também foi atendida, com a garantia do direito à licença-capacitação. E parou por aí.
RU
Com relação ao Restaurante Universitário (RU), não apenas não houve avanço, como se desenrolou uma crise em julho, com o fechamento do RU e a suspensão da entrega de marmitas no período, prejudicando o conjunto das/dos estudantes que ficaram sem acesso às refeições, uma vez que o auxílio-alimentação foi pago apenas para alunas/os inseridos nas políticas de assistência estudantil.
A Adufes se solidarizou com as/os discentes e se colocou à disposição para ajudar com o que fosse possível, considerando que a alimentação é um direito básico e que não é possível estudar com fome. Também lembrou que, em ofício circular da Pró-reitoria de Graduação (Prograd), enviado no dia 23 de julho às/aos professoras/es da Universidade, foi solicitada a não aplicação de avaliações até o dia 30 de julho, mas sem suspender as aulas no período para, segundo o documento, não comprometer o novo calendário. A Adufes defendeu que o calendário não poderia estar acima de um dos direitos humanos mais fundamentais que é o direito à alimentação. Além disso, estudantes comem todos os dias, independentemente de horário individual de aula ou agendamento de avaliações. Essa situação poderia ter sido evitada com planejamento, uma vez que há meses já se sabia da possibilidade de haver aulas em julho.
Suspensão do Calendário
Vários dos impasses que hoje surgem na Universidade poderiam ter sido evitados se uma das reivindicações centrais do movimento grevista tivesse sido atendida: a suspensão do calendário acadêmico durante a greve docente federal. Um deles é a Resolução Cepe/UFES nº 83/2024 que liberou estudantes da frequência nas aulas do primeiro semestre letivo de 2024 após o encerramento da greve. A Procuradoria da Ufes divulgou a Nota Técnica 32/2024 no dia 18 de julho apontando “evidente vício de legalidade, merecendo ser revista”.
No documento, o órgão lembra que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação dispõe em seu artigo 17 que “na educação superior, o ano letivo regular, independente do ano civil, tem, no mínimo, duzentos dias de trabalho acadêmico efetivo, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver”, acrescentando que o inciso 3º do mesmo artigo prevê que “é obrigatória a frequência de alunos e professores, salvo nos programas de educação a distância”. O documento da Procuradoria foi encaminhado para o reitor da Ufes, Eustáquio de Castro, que concordou com a Nota técnica e despachou ao Cepe para reconsideração do artigo 2º da Resolução. A Adufes apurou pelo sítio eletrônico da universidade que até o momento não houve reunião do Cepe para tomar a decisão, apesar das aulas estarem em andamento.
Para além da questão da legalidade, a Adufes entende que a liberação completa da frequência nas aulas é prejudicial à qualidade do ensino e que a situação não aconteceria se o calendário tivesse sido suspenso, evitando o “calendário paralelo” de quem insistiu em dar aulas durante a greve.
Esse sempre foi o posicionamento do Sindicato, tanto que na assembleia geral que decidiu pelo encerramento da greve, realizada no dia 28 de junho, estudantes presentes solicitaram um prazo para o retorno às atividades justamente para que discentes que estavam fora das cidades onde estudam pudessem retornar, numa evidente perspectiva de necessidade de frequentar as aulas. A categoria atendeu ao pedido e marcou o encerramento da greve a partir de 5 de julho.
Frente a todos esses desafios, a Adufes espera que as pautas locais sejam retomadas em diálogo permanente, independentemente da greve, para que a Universidade possa avançar em políticas de acesso e permanência, assim como melhores condições de trabalho e redução do adoecimento de sua comunidade que precisa ser ouvida nos processos para que as situações relatadas sejam superadas e prevenidas no futuro.
Adufes