Docentes que integram a Comissão de Combate ao Assédio Moral (CCAM) na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) solicitaram ao Ministério Público Federal (MPF/AM) a inclusão dos assediados no programa de proteção aos militantes dos direitos humanos. A solicitação, feita em uma audiência na sede da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), inclui ainda o acompanhamento aos processos de apuração de supostas irregularidades cometidas contra servidores e estudantes da instituição, e o apoio às atividades da CCAM na universidade.
A medida visa dar garantias de segurança a professores, técnicos administrativos e estudantes que consideram terem sido submetidos a situações humilhantes e constrangedoras na instituição, para que possam denunciar tais condutas abusivas sem sofrer qualquer tipo de represália por parte dos denunciados, conforme a CCAM. “Essa é uma medida preventiva e de combate não somente ao assédio moral, mas ao próprio ‘temor reverencial’, que impede que as pessoas denunciem, com medo de sofrer retaliação”, afirma a professora Maria Izabel Heckmann, ao explicar as razões que levaram a Comissão a buscar o apoio do MPF/AM.
Durante o encontro, os servidores da universidade aproveitaram para informar ao titular da PRDC, procurador da República Patrick Menezes Colares, sobre supostas condutas abusivas cometidas no âmbito da universidade e que já foram denunciadas repetidas vezes, sem que instituição tomasse providências. “Há algum tempo os servidores vêm sofrendo com esse tipo de situação. E ao questionar o poder dentro de uma instituição erudita, como a universidade, acabam sofrendo represálias”, afirmou o professor José Ribamar Mitoso, a quem coube o papel de apresentar ao procurador o objetivo e as linhas de ação da CCAM.
O titular da PRDC, em atenção às solicitações da Comissão, assegurou que é função do MPF coibir qualquer tipo de abuso de direito, entre eles o assédio moral. Ele se mostrou surpreso com os casos relatados pelos servidores. “A universidade deveria ser o ambiente mais democrático de todos. Todo esse autoritarismo esmaga a oxigenação de ideias e debates. Vocês estão de parabéns por terem rompido o silêncio”, afirmou o procurador da República Patrick Menezes Colares.
De acordo com Colares, a atitude dos servidores é o primeiro passo para que o diálogo prossiga e o MPF possa tomar as providências cabíveis. “A organização e a união que vocês mostraram podem ajudar a elencarmos estratégias no sentido de objetivar as ações”, explicou. “Entendo que esse diálogo deve continuar”, completou.
Relatos
Um a um, os servidores relataram, por aproximadamente três horas, experiências “de autoritarismo e de perseguição” cometidas no serviço público federal, como o caso do professor Josenildo Santos, do Instituto de Natureza e Cultura (INC), de Benjamin Constant. “Quando você questiona um direito, você passa a ser inimigo. Já entrei com várias representações para fazer avançar a conclusão do meu processo sobre o estágio probatório, mas não adianta”, disse. Mesmo problema enfrentado pelo professor Eduardo Cotta, do Instituto de Ciências Exatas (ICE), em Manaus. Ele tomou posse em agosto de 2008 e cumpriu estágio probatório em 2011, mas até a presente data não tem portaria de conclusão do estágio probatório. “Estou há cinco anos na Universidade e o processo foi não finalizado”, lamentou. Nesta linha, a profes sora Maria Izabel informou que “os processos não são apurados, ou, quando são apurados, as respostas mais parecem um manto protetor para assediadores”.
“São coisas desse tipo que incomodam a gente. Será que a saída para esses servidores é a porta do aeroporto?”, questionou o professor José Ricardo de Souza, também do ICE, que compareceu à reunião como um dos solidários à causa dos docentes que estão enfrentando tais problemas. Segundo ele, existe em algumas estruturas departamentais uma espécie de divisão entre os professores, numa lógica de “distribuição” de vantagens e prejuízos. “Um grupo A costuma ser protegido, enquanto que um grupo B é massacrado, com excesso de trabalho”, criticou.
Para o técnico-administrativo Osmarino Souza, do Departmanto de Apoio ao Servidor (DAS), unidade da Pro-Reitoria de Assuntos Comunitários, situações dessa natureza ocorrem porque “há um desinteresse da instituição em resolver os problemas da universidade e isso acarreta, entre outras coisas, o adoecimento dos servidores”. Para ele, os problemas deveriam ser solucionados administrativamente.
Na avaliação do presidente da Adua, Seção Sindical do ANDES-SN, José Belizario, situações humilhantes e constrangedoras às quais são submetidos os trabalhadores passaram a ser mais frequentes nos três últimos governos. “As políticas de governo se transformaram em políticas de Estado. O que começou com o FHC, precarizando os espaços públicos, para em seguida privatizá-los, se intensificou com os presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff. A universidade está tão precarizada que a falta de condições de trabalho tem impactado nas relações, que muitas vezes são desumanas”, afirmou.
“Falta o exercício da solidariedade humana. O orgulho, a vaidade e os interesses pessoais têm comprometido o papel social da universidade. E isso é fruto das ações do ‘braço direito’ do governo, presente na instituição”, acrescentou. Segundo Belizario, grande parte do adoecimento docente na universidade é causado dentro da própria instituição. “Há uma espécie de guarda-chuva do governo na Ufam, que impõe medidas acatadas com subserviência muito grande por parte de muitos gestores”, lamentou.
CCAM
A Comissão recebe as demandas dos três segmentos da comunidade acadêmica (docentes, técnicos administrativos em educação e discentes). Quem tiver interesse em obter informações sobre os procedimentos, fazer denúncias ou mesmo buscar apoio psicossocial, poderá entrar em contato na página da CCAM na rede social. No espaço virtual, o grupo posta orientações sobre a caracterização do assédio moral e dicas para combatê-lo no ambiente de trabalho, mesmo que seja preciso recorrer à justiça.
A CCAM, criada no dia 11 de setembro deste ano, possui três eixos de ação: apoio psicossocial aos assediados e familiares, encaminhando-os para tratamento nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e aos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest); pesquisa, a partir do estudo do “fenÿmeno” do assédio moral na Ufam; e proteção judicial.
Como medida preventiva, a CCAM prevê ainda a realização de palestras, seminários, reuniões e debates sobre o tema, além da distribuição de cartilhas e material de sensibilização, alertando a comunidade acadêmica a respeito da necessidade de combater as práticas de assédio moral no serviço público.
* Com edição do ANDES-SN
* Fotos: site Adua – Seção Sindical