Na visão de duas professoras, entender que existe racismo não basta. É preciso agir e implementar ações para reverter a desigualdade racial. Uma pauta que não pode ser apenas das/os negras/os.
O Dia Nacional da Consciência Negra – 20 de novembro -, foi criado pelo Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978, que passou a intensificar a promoção de diversas ações contra o racismo estrutural e exigir reparação social. Mas a data só foi instituída oficialmente, cerca de 30 anos depois, com a Lei nº 12.519/2011, chegando a entrar no calendário de feriados de alguns estados e municípios, o que não inclui o Espírito Santo. Para além das homenagens, essa é uma oportunidade de reafirmar a luta antirracista.
A agenda da professora Jacyara Silva de Paula, do Departamento de Linguagens, Cultura e Educação (Centro de Educação), em novembro, sempre fica cheia. Ela recebe inúmeros convites para falar sobre negritude e racismo. “Esse debate, na verdade, deveria ser diluído, nos 365 dias do ano”. A professora, que coordena o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab), lembra que 20 de novembro faz referência ao assassinato de Zumbi, principal líder do Quilombo dos Palmares – situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco, na região Nordeste do Brasil.
Cotas. Jacyara, que leciona há três anos na Ufes, chama atenção para a necessidade de políticas públicas que possibilitem a ampliação do acesso e permanência de estudantes e servidoras/es negras/os nas universidades. “A cada ano contamos com um número menor de bolsas e as/os estudantes são obrigados a ir para o mercado de trabalho antes mesmo de se formar, prejudicando o processo de aprendizagem”.
Segundo ela, um dos desafios é aumentar os números de vagas das cotas. Hoje 50% das vagas são destinadas a estudantes de escolas públicas, sendo que esse percentual é ainda dividido entre pretos, pardos e indígenas (PPI). Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população negra do ES representa 63,3%.
A professora acredita que é preciso desenvolver ações nas escolas públicas com estudantes negras e negros. Para isso, as instituições de ensino superior precisam estar presentes apresentando docentes, intelectuais e artistas negros. “Essa também é uma questão de representatividade, que deve ser levada em consideração”, disse Jacyara, salientando que muitos estudantes do ensino médio desconhecem que a Ufes é pública.
Sistema de cotas para professoras/es. Quando o assunto é docência, negras/os representam apenas 16% dos 62.239 mil professores/as de universidade públicas e privadas do país. Mulheres negras na pós-graduação representam menos de 1%. O número foi levantado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Para Jacyara é preciso que haja cotas raciais para o ingresso de docentes nas universidades. “Historicamente, também temos sido excluídos não só da graduação e pós-graduação, mas das instâncias deliberativas, seja no setor público ou no privado”. Ela ilustra a situação de representatividade local, destacando que há apenas 1 Pró-Reitor negro na Ufes.
Ações afirmativas na pós-graduação. Atualmente, a Ufes oferece 64 programas de pós-graduação em nível de mestrado e de doutorado, dos quais apenas seis adotam reservas de vagas. O mestrado em Artes, por exemplo, oferece 25% de cotas, sendo 50% para estudantes que foram cotistas ou bolsistas integrais na graduação e outros 50% para PPI.
Os cursos de mestrado e de doutorado em Ciências Sociais destinam 25% para cotas PPI e 10% para pessoas trans. Outros programas que oferecem reservas para ações afirmativas são Psicologia Institucional, Política Social e Educação (mestrado profissional). Apesar dos avanços, não há uma política institucionalizada por parte da universidade.
Ensino da África e o racismo estrutural. Ainda que a lei 10.639, sancionada em 2003, traga a obrigatoriedade de história e cultura afro-brasileira dentro das disciplinas desde ensino fundamental até o superior, a implementação dessa discussão ainda é insatisfatória.
“A iniciativa é importante como fruto das nossas lutas, mas boa parte das/os professoras/es não têm formação antirracista e os conteúdos incorporados não contam com autores negros que discutem a própria formação social e o racismo na sociedade”, lembra Maria Helena Elpídio, professora do Departamento do Serviço Social, do Centro de Ciências Jurídicas e econômicas (CCJE).
Ela avalia que a universidade tem muito a contribuir seja na investigação do racismo, genocídio negro e feminicídio, quanto na formação cidadã, porém precisa romper com o modelo racista e eurocêntrico que permeia o ensino e o conhecimento. “Já tivemos casos de racismo por parte de docentes que foram parar na justiça. Infelizmente, não temos visto de fato a priorização de uma educação antirracista na Ufes”, critica, salientando ser necessário combater essas práticas no dia a dia, o que exige preparo e formação.
Violência. Na última década, o assassinato da população negra (pretas/os e pardas/os) aumentou em 11,5%, de acordo com o Atlas da Violência 2020 divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). “A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado e a expectativa de vida não chega aos 30 anos”, conclui Maria Helena Elpídio que vem acompanhando a luta da juventude negra no estado.
Acesse: Cartilha do ANDES-SN de combate ao racismo
Fonte: Adufes