Em mais um ato antidemocrático, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) decretou a nomeação da professora Isabela Fernandes Andrade, segundo lugar na lista tríplice, como reitora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A decisão foi publicada na madrugada desta quarta-feira (06), no Diário Oficial da União (DOU).
Isabela fez parte da chapa “UFPel Diversa” juntamente ao candidato a reitor, Paulo Roberto Ferreira Júnior. A chapa foi vencedora do processo de Consulta Informal com 56,5% dos votos. Ela disputou o segundo turno contra a chapa 2 “UFPel Mais”, do professor Fábio Cerqueira, que obteve 43,5% dos votos.
Ambos os nomes integraram a lista tríplice, referendada pelo Conselho Universitário (Consun) da UFPel no dia 19 de outubro. Em primeiro lugar ficou Paulo, que recebeu 56 votos dos conselheiros, seguido de Isabela, que obteve 6 votos, e de Eraldo, com 2 votos. Todos compunham a chapa “UFPel Diversa”.
Isabela é professora da instituição desde 2013 e ocupa, atualmente, o cargo de diretora do Centro de Engenharias (CEng). A docente é formada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e possui mestrado e doutorado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Paulo é docente do Centro de Desenvolvimento Tecnológico da UFPel desde 2009. Possui Doutorado em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Mestrado na mesma área pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Posicionamentos. Para a presidente da ADUFPel, Celeste Pereira, a ação do governo fere a autonomia universitária, e defende a nomeação de Paulo Ferreira. “Vemos com indignação o desrespeito à escolha da comunidade acadêmica. Em que pese nosso respeito à professora nomeada, a escolha foi outra. Entendemos que o reitor eleito tem que ser nomeado”.
A Assessoria de Imprensa da ADUFPel entrou em contato com Paulo Ferreira, que preferiu se posicionar através de nota conjunta. No entanto, afirmou que será convocada, para a tarde desta quarta-feira, uma reunião com as entidades representativas dos três segmentos da UFPel (ADUFPel-SSind, ASUFPel-Sindicato e DCE).
A atual gestão – “Uma UFPel Diferente” – e a chapa eleita – “UFPel Diversa” – divulgaram uma nota em que repudiam a não nomeação do professor Paulo, eleito de forma democrática. Conforme salientam, irão tomar medidas jurídicas e políticas para a reversão da situação, a qual consideram como vergonhosa.
“Respeitar a vontade da comunidade é um pressuposto da democracia. Infelizmente, num Governo Federal cujo líder faz apologia a torturadores, nega o racismo, é condenado por ofensas contra mulheres e prega a não vacinação da população, não é surpresa que sejamos golpeados em nossa democracia e autonomia”.
Antes do decreto, em 21 de dezembro, a Comissão da Consulta Informal (COE) para escolha de reitor(a) e vice-reitor(a) da UFPel (Gestão 2021-2024), havia publicado uma nota em que reafirma somente aceitar a nomeação do primeiro colocado, fruto da escolha da comunidade. Sendo assim, para ela, “qualquer outro resultado implicará resistência e luta da comunidade universitária da UFPel”.
A Consulta Informal. O processo de Consulta Informal à comunidade acadêmica foi organizado de forma paritária e democrática pela Comissão da Consulta Informal (COE) e conduzido pela Junta da Consulta Informal (JCI), ambas compostas pelas três entidades. A disputa ocorreu em dois turnos, entre quatro chapas: Chapa 1 – UFPel Diversa, Chapa 2 – UFPel Mais, Chapa 3 – Tô Contigo UFPel e Chapa 4 – UFPel Raiz.
Tentativas de enfraquecimento do processo democrático. A escolha de reitores de universidades e institutos consiste em consulta à comunidade. O que a diferencia de um processo de eleição normal é que seu resultado final não garante automaticamente que o vencedor será empossado.
O Conselho Universitário – instância máxima de deliberação dentro da universidade – elabora uma lista com três nomes, a chamada lista tríplice, e a encaminha ao Ministério da Educação (MEC). Após protocolada pelo MEC, o presidente da República pode nomear o novo reitor por meio de um decreto presidencial.
Em 2019, dispondo de artifícios legais, o presidente Jair Bolsonaro não respeitou as decisões das comunidades acadêmicas em pelo menos seis das doze nomeações que fez. E, através de duas Medidas Provisórias (MPs), buscou intervir na autonomia das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES).
A primeira tentativa não prosperou. Em dezembro de 2019, o governo tentou mudar as regras para escolha de reitores ao editar a MP 914/19. O texto, que perdeu validade em 2 junho de 2020 por falta de apreciação do Congresso, estabelecia como obrigatória a realização de consulta à comunidade acadêmica para a formação da lista tríplice para o cargo de reitor por votação direta, preferencialmente eletrônica.
Tal consulta não poderia ser feita com voto paritário ou universal e obrigatoriamente deveria ser realizada com peso de 70% no voto docente, 15% no do técnico-administrativo e 15% para o voto dos estudantes. A mesma regra seria imposta aos Institutos Federais.
Logo em seguida, em 9 de junho, governo federal publicou a MP 979/20, que dava poder ao então ministro da Educação, Abraham Weintraub, para intervenção na escolha de reitores de universidades e institutos federais, utilizando como justificativa o período de emergência de saúde pública gerado pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
A tentativa do governo, assim como a anterior, não foi bem sucedida. O presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM), decidiu, em 12 de junho, devolver ao governo a Medida Provisória, pois, segundo ele, violava os princípios da Constituição Federal que tratam da autonomia e da gestão democrática das universidades.
STF contra as intervenções. Em outubro, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que Jair Bolsonaro deve respeitar a lista tríplice enviada pelas universidades para a escolha de seus reitores. A decisão é um desdobramento de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que acusa Bolsonaro de nomear reitores sem considerar as listas, violando a autonomia universitária.
Outras tramitações. Além da ADPF, tramita no Supremo a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6565), assinada pelo Partido Verde (PV), que questiona o excesso de poder de Jair Bolsonaro nas últimas nomeações para a reitoria das universidades e institutos federais. O ministro Fachin também é relator da matéria, que já havia conquistado quatro votos contrários à intervenção, mas foi retirada da pauta do Plenário Virtual após pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes, no último dia 15 de outubro.
Intervenções aumentam. Atualmente, 20 IFES estão sob intervenção do governo Bolsonaro, apesar de seus representantes terem sido eleitos legitimamente por suas comunidades acadêmicas.
Por meio do MEC, o presidente da República tem indicado, desde o ano passado, interventores para as reitorias das instituições, seja de nomes que não estavam em primeiro lugar na lista tríplice ou de pessoas que sequer participaram do processo de escolha nas instituições.
Historicamente, o ANDES-SN luta em defesa da autonomia universitária, prevista no artigo nº 207 da Constituição Federal, e pelo fim da lista tríplice enviada ao Ministério da Educação e ao presidente da República para confirmação da nomeação. Para o Sindicato Nacional, o processo de decisão sobre a escolha de reitores deve ser iniciado e concluído no âmbito de cada instituição de ensino.
Assessoria ADUFPel