Inicialmente, cabe destacar que a greve é um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal, com previsão na Lei nº 7.783/89, bem como por Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil, “competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender” (art. 9º da CF/88).
O movimento de greve pode ter motivação salarial ou de condições de trabalho, incluindo a sanitária – cuja expressão ganhou força nesse período de pandemia – quando há risco à saúde ou à segurança do/a trabalhador/a no ambiente de trabalho, sendo os fundamentos legais, no entanto, os mesmos de qualquer outra greve.
Entretanto, não há lei específica regulamentando o direito de greve dos servidores públicos federais, de modo que o Supremo Tribunal Federal, diante da omissão legislativa, decidiu que o direito de greve dos servidores públicos deve seguir as mesmas regras das/os trabalhadoras/es do setor privado até que o Congresso Nacional aprove lei específica sobre o tema (Mandados de Injunção 670, 708 e 712, julgados em 25/10/2007). Dessa forma, a Lei 7.783/1989, que regulamenta a greve na iniciativa privada, deve ser aplicada também para os servidores públicos.
O raciocínio seguido pela Suprema Corte é bem simples, na realidade. Entendeu que a Constituição Federal de 1988 prevê o direito de greve do servidor público, porém, que tal direito deve ser regulamento por lei. Como o Congresso não legislou sobre o assunto, o Supremo aplicou a lei mais próxima, qual seja, a do setor privado.
Os servidores federais temporários ou substitutos e em estágio probatório não estão proibidos de participarem de movimento grevista na medida em que o direito de greve é reconhecido constitucionalmente, não fazendo qualquer distinção da natureza do vínculo.
Importa mencionar, ainda, que Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 693456, autorizou a Administração Pública a proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre. Porém, é permitida a compensação em caso de acordo, o que historicamente ocorreu com a categoria docente, que em razão da especificidade das atividades que desenvolve sempre fez a reposição das aulas não ministradas no período de greve, conforme ajustamento do calendário do ano letivo por parte do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão.
Por fim, não devemos nos esquecer que o movimento de greve se reveste de um caráter essencialmente político, onde o risco na sua adesão se dá em razão da consciência de cada participante. Por outro lado, se é verdade que a greve tem caráter corporativo, não menos verdade são seus inegáveis reflexos na busca por uma sociedade mais justa.
Um pouco mais sobre a greve sanitária: A greve sanitária, também chamada “greve ambiental”, como já afirmamos, está relacionada aos riscos graves e iminentes à saúde do/a trabalhador/a. Em 2015, a Ministra Dora Maria da Costa relatou processo para o Tribunal Superior do Trabalho, em que se discutiu a greve ambiental.
A relatora afirma que tal adjetivação necessita reputar extremo perigo para ser validada. “Segundo Raimundo Simões de Melo (in “A Greve no Direito Brasileiro”, São Paulo, LTr, 2011, p. 110/114), a greve ambiental pode ser conceituada como a paralisação temporária, parcial ou total da prestação de trabalho a um tomador, qualquer que seja a relação de trabalho, com a finalidade de preservar e defender o meio ambiente de trabalho e a saúde do trabalhador, e sua finalidade é implementar adequadas e seguras condições de trabalho, como bem de uso comum do povo (art. 225 da CF)”. Ainda se valendo do mesmo autor, a Ministra expõe que a greve ambiental pode ser classificada em dois tipos: de riscos comuns – em que se reivindicam melhores condições de trabalho que sejam protetivas e preventivas, como acidentes de trabalho, intervalos entre jornadas e exposição a agentes químicos ou biológicos, por exemplo; e a situação de riscos incomuns – em que o “risco para a saúde, integridade física e vida do trabalhador é imediato” (Processo Nº TST-RO-10178-77.2015.5.03.0000).
Este nos parece ser o caso da circunstância da pandemia do novo coronavírus, que já matou mais de dois milhões de pessoas ao redor do mundo e mais de duzentas e trinta mil pessoas no Brasil, amargando o vergonhoso último lugar no desempenho do combate à Covid-19, segundo estudo do Instituto Lowy, organização baseada em Sydney, Austrália.