O Grupo de Trabalho “Ditadura e Repressão aos trabalhadores, às trabalhadoras e ao movimento sindical”, da Comissão Nacional da Verdade, vai recomendar em seu Relatório Final que as empresas e empresários que colaboraram com o regime militar sejam punidos e serão convocados para audiência ainda este ano. A decisão foi tomada após a realização de um curso nos dias 06 e 07 de setembro em São Paulo, para conhecer a experiência de responsabilização na Argentina.
A atividade contou com a presença da pesquisadora argentina Victoria Basualdo que apresentou uma análise histórica dos impactos da ditadura de 1976-1983 sobre a classe trabalhadora e o movimento sindical argentino, bem como a posterior luta e evolução do processo de Justiça para os trabalhadores, especialmente, os avanços recentes na definição da responsabilidade empresarial.
Victoria apresentou aos participantes do curso a experiência de investigação, coleta de documentos e testemunhos a qual resultou na possibilidade de abertura de processo criminal contra empresários que, de alguma forma, colaboraram com a ditadura militar no país vizinho.
A pesquisadora e coautora do livro “Cuentas Pendientes” mostrou aos pesquisadores, dirigentes sindicais e membros de Comissões e Comitês da Verdade de diversos estados, que participaram da atividade, quatro casos exemplares da Argentina e dados que comprovam como a perseguição no país vizinho também foi direcionado às classes trabalhadoras.
De acordo com a pesquisadora, 30% dos desaparecidos na Argentina eram trabalhadores e, mesmo com os entraves jurídicos, foi importante juntar indícios e testemunhos para comprovar a responsabilidade de empresários na colaboração com o regime repressivo. “O processo de justiça ajuda a revelar a verdade e a resgatar a memória”, disse.
Pesquisas realizadas pelo GT dos Trabalhadores mostram que no Brasil empresas entregavam listas com nome, endereço residencial e, em alguns casos, o setor no qual o operário trabalhava, como pode ser visto na chamada “lista negra” do ABCD, onde mais de 60 empresas entregaram os dados dos trabalhadores aos órgãos de repressão. Ou ainda, exemplos identificados em diversos estados do país mostram prisões dentro do local de trabalho, empresas que disponibilizavam veículos para transportar seus empregados ao Dops, e até mesmo redes de informação entre os empresários que impediam a contratação de um trabalhador demitido em outra fábrica do mesmo setor.
Para a coordenadora do GT, Dra Rosa Cardoso, é preciso fazer o acerto de contas com a ditadura no Brasil e mostrar que a classe trabalhadora foi o alvo primordial da repressão. “Como os civis participaram do regime ainda é pouco conhecido e é de muito interesse investigar. É preciso a judicialização dos casos. Essa responsabilidade não pode ser esquecida”, ressaltou.
Agora, membros das 10 Centrais Sindicais e Entidades de Trabalhadores, que compõe o GT, discutem de que forma o processo de responsabilização dos empresários ligados aos órgãos de repressão serão colocados nas recomendações do Relatório Final.
Pesquisas promovidas pela CSP-Conlutas. O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, filiado à CSP-Conlutas vem promovendo desde o início do ano uma pesquisa da relação das empresas com os órgãos da ditadura militar que já encontrou informações reveladoras. Entre elas a existência do Cecose (Centro Comunitário de Segurança do Vale do Paraíba), que monitorava trabalhadores para posteriores demissões, perseguições e chegaram a levar a prisões. Entre as empresas envolvidas há a Embraer, GM, Philips, Bundy e diversas outras.
Sindicatos ligados à Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), alguns deles ligados à Central, também aprovaram resolução em seu Congresso Nacional realizado recentemente para a realização da investigação nos documentos da Petrobras que constam do Arquivo Nacional com relatos detalhados da colaboração da empresa com os órgãos de informação da ditadura contra os trabalhadores que provocaram perseguições, demissões com e sem justa causa, prisões e até torturas.
Como disse Sebastião Neto, da secretaria executiva do GT, a colaboração foi tanta que é difícil encontrar quem não colaborou. “É difícil encontrar quais as empresas que não colaboraram”, disse na entrevista coletiva convocada pela Comissão Nacional da Verdade na última segunda-feira (8).
Fonte: CSP – Conlutas