UFES 2024
Edson Cardoso
É certo que, em 2024, as palavras UFES e otimismo não estarão na mesma frase.
Prólogo
Caminhamos, assim, celeremente, para a cristalização do belo sonho, que parecia irrealizável, de atingir em breve o nosso Estado as culminâncias esplêndidas do ensino superior com a suprema criação de sua Universidade.
Com esta frase, com toques parnasianos, Jones dos Santos Neves, o então governador do Estado, em 1953, dava o pontapé inicial para a criação da Universidade do Espírito Santo. Aprovado na Assembleia Legislativa, o projeto foi sancionado pelo governador e transformado na Lei nº 806 de 5 de maio de 1954. Consumava-se, assim, o fato mais importante ocorrido nesse século no setor educacional. [1] O projeto de federalização da Universidade do Espírito Santo foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República (Juscelino Kubitschek) através da Lei nº 3868 de 30 de janeiro de 1961. Nascia a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Pretende-se aqui uma reflexão sobre a UFES hoje. Por quê? Ocorrerá eleição para reitoria em novembro próximo.
O contexto
Em 2021, segundo o Inep, existiam 8,9 milhões de estudantes na Educação Superior do Brasil. Destes 6,9 mi estavam nas escolas privadas e 2,0 mi nas escolas públicas. Então, já em 2021, o Ensino Superior no Brasil era um setor privatizado.
Já na Educação Básica (Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio) no Brasil tinha em 2019, 47,9 milhões de matriculas, das quais 9,13 milhões (19%) no setor privado (dados do Ipea/MEC). No setor público (38,73 milhões), 48,1% estavam nas escolas municipais, 31,9 % nas estaduais e 0,84 % nas federais. [3] Podemos dizer, ainda, que a Educação Básica no Brasil não está privatizada.
Voltando à Educação Superior. Algumas pílulas [4]:
A universidade eadetizada, uma triste realidade.
A UFES hoje
A Ufes oferece 100 cursos de graduação presencial, com um total de 4.995 vagas anuais. Na pós-graduação, possui 64 cursos de mestrado e 33 de doutorado. Possui um quadro de 1.781 professores efetivos, 1.857 técnicos-administrativos, 20.206 estudantes matriculados na graduação presencial e na modalidade a distância, e 3.617 na pós-graduação. Na pesquisa científica e tecnológica a Ufes possui cerca de 6.900 projetos em andamento, e na extensão universitária desenvolve 813 projetos e programas com abrangência em todos os municípios capixabas, contemplando cerca de 4 milhões de pessoas. Os dados se referem ao ano de 2021, aferidos pela Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento Institucional (Proplan). [5]
Houve um crescimento relevante da pós-graduação e foi acompanhado, primeiro, pela essencial capacitação docente melhorando muito sua qualificação profissional e, segundo, pela forte presença do fordismo científico (produtivismo) circunscrito à universidade operacional destacadamente a partir da década de 1990 no Brasil. E na UFES não foi diferente. “Não há e nem deve haver pesquisa na universidade operacional… Uma ausência alucinante e é esta ausência que é contabilizada.” [6]
A defesa da universidade autônoma passa pelo princípio da gestão democrática em todos os níveis. Passa pela indissociabilidade ensino, pesquisa e extenção. É a condição necessária para garantir as razões de ser de uma universidade. É proteger o ensino superior de qualquer tipo de manipulação política partidária e de autoritarismo.
E o que se viu nas últimas décadas na UFES?
Uma autonomia limitada e tutelada por interesses políticos, econômicos e disputas de poder que se sobrepõem ao papel social, científico e acadêmico que se espera da universidade. Um exemplo recente em 2020: uma chapa para a reitoria foi escolhida por docentes, estudantes e técnico-administrativos e referendada pelos órgãos colegiados da UFES. A primeira mulher eleita (Ethel Maciel) na UFES. Mas não foi a chapa nomeada pelo MEC. Uma obstrução frontal à autonomia universitária.
Autonomia e democracia são princípios indissociáveis. E não foi o que se viu nestas últimas décadas. Avaliação Institucional e Estatuinte, bandeiras históricas da comunidade universitária, foram ignoradas pelas reitorias. Uma exceção: em 1994 (gestão Roberto da Cunha Penedo (1992-1995)) aconteceu uma Avaliação Institucional com a participação de docentes, estudantes e técnicos-administrativos.[2] Posteriormente o que se fez foram avaliações de gabinete sem consequências. Inúteis.
O que esperar da próxima gestão?
- Temos duas chapas concorrendo à reitoria da UFES: 10 – Nossa UFES: Incluir, construir, transformar [7] e 20 – A UFES que queremos [8]
Lendo as propostas de trabalho das duas chapas 10 (47.000 caracteres) e 20 (114.000 caracteres) observa-se uma única citação para os termos ‘indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão’ e ‘avaliação institucional’. A chapa 20 tem uma única citação do termo ‘estatuinte’. Apenas citação e não mais qualquer análise sobre os três termos. Não sabemos o que pensam sobre.
- Numa disputa para reitoria sabemos que a peleja é por concepção de universidade. Aí é que está o nó górdio. O jogo não está explícito, mas sabemos, por conhecer a UFES, que está no ar a Universidade&ppp (parceria público privada), a universidade empresa, a universidade&sociedade e a universidade pública gratuita e estatal.
- Sobre os três termos acima citados e não desenvolvidos pelas chapas. Primeiro, a avaliação institucional. É inconcebível um grupo assumir a gestão de uma universidade pública gratuita e estatal (com mais de 20 mil estudantes, 1700 docentes, 1800 técnicos-administrativos e 100 cursos de graduação presencial) sem antes uma avaliação institucional com a participação da comunidade universitária. A partir desta avaliação viria as propostas de trabalho e os caminhos de gestão a seguir.
- Segundo, a indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão. A UFES é parte de um sistema de Ensino Superior privatizado no Brasil. Corresponde a um ‘gueto’ que ainda faz ensino, pesquisa e extensão com razoável qualidade. O setor privado (com raras exceções) faz apenas ensino de qualidade questionável. A bandeira da indissociabilidade é princípio pétreo que deve estar presente em qualquer gestão universitária.
- A história da UFES é de dirigentes que (apesar de eleitos pela comunidade) durante o mandato agem como representantes do MEC e não na defesa das propostas apresentadas durante o processo eleitoral. É a subordinação consentida a serviço de um poder burocrático, cartorial, carreirista e insensível à autonomia universitária.[2]
As dez mais para a UFES que devemos
Apoiar: a democracia, a colaboração, o gregarismo, a transparência, a competência, a dedicação, o estímulo, a motivação, o trabalho e a universidade pública, gratuita e estatal;
Combater: o cartório, a burocracia, o carreirismo, o comodismo, a competição, o mandonismo, o cartesianismo, a preguiça, o narcisismo e a universidade&ppp
O belo sonho parnasiano das culminâncias esplêndidas de Jones dos Santos Neves continua sonho.
Citações
[1] Ivantir Antônio Borgo, “UFES: 40 anos de história”, p. 27, 2ª edição, EDUFES, 2014. Um livro essencial. O único registro histórico sobre a UFES, publicado em 1995 (1ª edição) . Disponível em https://issuu.com/ufes/docs/livro_60anos_final
[2] UFES (1954 – 2020), perdas e ganhos https://librinas.blogspot.com/2020/05/ufes-1954-2020-perdas-e-ganhos.html
[3] O ensino a distância na Educação Básica e a Invasão dos bárbaros https://librinas.blogspot.com/2020/05/o-ensino-distancia-na-educacao-basica-e.html
[4] A miséria da educação superior https://librinas.blogspot.com/2022/11/a-miseria-da-educacao-superior.html
[6] Marilena Chaui, 2015 https://www.youtube.com/watch?v=TNQg95QIvsQ
[7] Nossa UFES: Incluir, construir, transformar https://pesquisareitor.ufes.br/sites/pesquisareitor.ufes.br/files/field/anexo/chapa_10_-_plano_de_trabalho_assinado_sonia_e_eustaquio_1_assinado.pdf
[8] A UFES que queremos https://pesquisareitor.ufes.br/sites/pesquisareitor.ufes.br/files/field/anexo/plano_de_trabalho-chapa20.pdf
Importante:
Carta aberta da Adufes e solicitação de posicionamento público às chapas que disputam a Reitoria da UFES. Clique aqui e confira.
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