Meus quase 23 anos de UFES foram anos de engajamento no ensino, na pesquisa e na extensão, mas foram, sobretudo, anos de aprendizado. Parte significativa desse aprendizado tem-se dado na militância, nos espaços propiciados pela Adufes e pelo Andes-SN.
Foram e são espaços privilegiados de questionamento, de reflexão e de conscientização da dimensão de nossa incidência na sociedade e de nosso pertencimento e compromisso com a classe trabalhadora. Ali também aprendi que o mesmo zelo e atenção que temos na preparação de uma aula ou na redação de um artigo são necessários com a forma como dialogamos com a sociedade e como nos colocamos, coletivamente, ante os problemas de nosso tempo. Essas diferentes ações, a aula, o artigo, a palestra, a militância não pertencem a círculos separados, há um fio de princípios que atravessa todas elas.
A partir dessa vivência, da reflexão e das trocas pude vislumbrar com clareza como é a universidade que quero (e que sei que muitos de nós queremos): pública, gratuita, autônoma, laica, de qualidade e socialmente referenciada. Essa universidade nós a construímos no exercício de todas nossas ações alinhavadas por esse fio de princípios.
Os quatro anos de pesadelo que foram o governo Bolsonaro deixaram explícito o que é uma universidade abandonada pelo Estado, uma universidade que não é prioridade, que sequer consta de um projeto de país. É um retrato doloroso, mas muito real, do desprezo pelo conhecimento, pela ciência, pela arte e muito mais que isso, é o retrato do desprezo pelas formas coletivas de construção que visam ao bem coletivo. Ante essa caricatura grotesca qualquer alívio pode parecer uma vitória, e até é, mas não podemos permitir que a exaustão, a justa revolta, a ânsia por tempos novos nos façam perder de vista a teia – social, cultural, política, econômica – em que a universidade se insere.
Em meus quase 23 anos de UFES (sob vários governos), a defesa da universidade que queremos foi diária e foi diária porque precisou ser diária. Um governo, dentro do nosso sistema, pode dar mais ou menos importância à educação superior, mas não abraçará plenamente nossas pautas.
A destinação de verbas públicas para projetos como FIES e PROUNI, por exemplo, privilegia o financiamento do ensino superior privado. A ênfase no ensino à distância traduzido no projeto do Reuni Digital depaupera a formação de nossos alunos, que só é possível em sua plenitude (intelectual, afetiva, política, social) na presencialidade. Recomendo a gravação do debate “Financeirização do ensino superior e Reuni Digital nas universidades públicas” realizado este ano na Adufes e disponível no YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=r7yIAPxdmV8). Fica patente aí como algum compromisso com a universidade pública não é necessariamente um compromisso com a universidade que queremos. Daí a importância do movimento docente e daí a importância de nossa vinculação a uma central sindical que abrace nossas causas, que nos una a diversos setores da sociedade e que não tenha comprometimentos com quaisquer governos.
Algumas críticas vêm sendo feitas à atuação da CSP Conlutas com o propósito de justificar a saída do Andes-SN dessa central. Mas, com um profundo respeito pelos colegas que manifestam tais posições, entendo que essas críticas erram na identificação das causas e no remédio indicado. Sugerir que a CSP Conlutas seja responsável por ampliar a base docente, pela participação dos docentes na vida sindical ou pelo engajamento das seções nas atividades da central demonstra uma confusão com relação ao papel da central e a falta de uma análise mais ampla da situação dos docentes – e da classe trabalhadora como um todo – neste estágio do capitalismo. Escrevo este texto em Foz do Iguaçu, durante a participação no II Seminário Internacional “Educação Superior na América Latina e Caribe e Organização das Trabalhadoras e dos Trabalhadores” / I Seminário Multicampia e Fronteira / I Festival de Arte e Cultura do Andes-SN e tem sido impressionante verificar como os mesmos problemas que enfrentamos na dificuldade de mobilização e no avanço da exploração de nossa categoria é um fenômeno que se repete em vários pontos do continente.
Os riscos de que desenham no horizonte podem ser vislumbrados na reunião que ocorreu entre algumas centrais sindicais e a equipe de transição do próximo governo no dia 1/12/2022. Nessa reunião, as centrais presentes (entre elas a CUT, a Força Sindical, a UGT e a Intersindical, a CSP Conlutas não participou) teriam informado ser contra a revogação da Reforma Trabalhista, desprezando a classe trabalhadora (https://cspconlutas.org.br/n/16971/contraria-a-posicao-das-centrais-sindicais-csp-conlutas-quer-revogacao-integral-da-reforma-trabalhista).
A universidade que queremos – pública, gratuita, autônoma, laica, de qualidade e socialmente referenciada – não será dada por nenhum governo, ela será construída na luta diária dos docentes, técnicos e estudantes. Para que sigamos sendo um sindicato forte, ativo e comprometido nossa permanência na CSP Conluntas é vital.
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