Texto da sessão “Fala, docente”
Não morro todos os dias. Mas tenho sonhado ser um urso ávido por hibernar fora de estação. As coisas parecem estar fora do lugar. Corromperam o eixo da Terra. Estamos vivos para cumprir tabela. Mecanizamos até a felicidade, de tão imediatista que se tornou. Banalizamos a vida, formatando-a em redes sociais, numa espécie de ditadura da felicidade instantânea. O pessimismo é o cadáver que carregamos às nossas salas de conveniências. Nem notaram, no comprimento cordial do dia, o corte nas mãos. “Estamos vivos!” Dirá o vivo esperançoso. Balançamos a cabeça em concordância, esvaziada por lítios e outras químicas legais que carregamos na emergência à vida. Há silêncio na cidade dos cegos. Balançamos nossas bandeiras acenando algum sentido possível entre nós. Sim, buscamos os nós coletivos que nos unem. Que nos redimam da mesmice cotidiana e poderosa que insultam a nossa capacidade de nos enxergarmos fora do espelho egóico. Buscamos ecos ou força motriz que revele a multidão. Que revele o grito às nossas diferenças e semelhanças, os nossos horrores e belezas. Gritemos como um verdadeiro primata, não como o burocrata desejoso por papeis, títulos e reconhecimento meritocrático. Mas o primata primordial despido diante da barbárie civilizacional e caduca. É urgente o bicho que recrie artefatos de infância: pipas, pios, peões e asas. Faltam asas que não sucumbam à lei da gravidade. Inventemos não mais o ser humano tal como se fez e educa. Mas um ser que saiba voar fora da asa. Não há inocência ou fuga nesta proposição, mas um ato lúdico e de sonho, que não a do urso hibernando ao som do silêncio incômodo da morte lenta, não é mesmo, senhor tatu canastra?!
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