Durante a pandemia, o capital financeiro saiu da periferia do sistema capitalista e foi buscar guarida em títulos seguros nos países centrais. A crise sanitária mundial desorganizou os sistemas produtivos, levando ao aumento do desemprego e a uma inflação de custos, devido à falta de insumos, partes, equipamentos, etc. Durante algum tempo, se falou em superar o neoliberalismo e recuperar o intervencionismo estatal. A questão é a seguinte: quem paga por isso? Se o capital (financeiro) não paga, não há como promover intervenção estatal que recupere a capacidade produtiva, corrigindo os vários desequilíbrios; promova empregabilidade e dê ao aparato estatal condições de realizar políticas sociais efetivas.
O governo Bolsonaro forçou estados e municípios a suspender revisões salariais dos servidores em troca de auxílio federal. Nos três níveis, o desinvestimento em atividades como educação, cultura, ciência e tecnologia levaram a uma situação de terra arrasada. Ao mesmo tempo, para atrair capital financeiro de volta ao país e com a desculpa de combater a inflação, o Banco Central voltou a praticar os juros mais altos do planeta. Ou seja, o orçamento executado federal serve para: a) remunerar os “investidores”; b) secundariamente, alimentar as bases eleitorais do Centrão e do bolsonarismo (como os pastores do MEC); c) tentar atrair os setores mais empobrecidos da Sociedade (Auxílio Brasil).
Não há e nunca houve recurso suficiente para uma intervenção estatal qualificada, que controle o preço dos combustíveis, que corrija os desequilíbrios produtivos (como preços dos alimentos), que promova emprego. Isto tem que ser feito pela máquina do Estado, que foi destruída. Um exemplo é o Ministério do Meio Ambiente, o IBAMA e a FUNAI. A mudança de dirigentes e a falta proposital de recursos levou à invasão das terras indígenas, à intensificação da mineração e do corte ilegal de madeiras, às queimadas. Não se trata de incompetência. É um projeto.
Do ponto de vista discursivo, este projeto é sustentado no desvio da atenção, como na falsa polêmica sobre o aborto, a partir de uma declaração de Lula. Não há polarização entre Bolsonaro e Lula. Polarização implica que um polo ataque o outro, de forma a facilitar a percepção das diferenças. Lula, o PT e outros setores da esquerda estão fazendo de tudo para obter vitórias eleitorais, buscando moderação e alianças com grupos de poder que não querem mudar o que está aí.
Enquanto isso, a Sociedade se movimenta. Aqui em Vitória, estudantes de duas escolas periféricas fazem manifestações e ocupam as ruas reclamando da ausência de docentes. Eles querem se habilitar para o concurso do IFES e não podem. Uma organização de base dos professores havia denunciado o problema, pois o governo do Delegado Pazolini suspendeu os contratos temporários e esvaziou as escolas. Ao mesmo tempo, famílias sem-teto acampam na frente da Prefeitura. O que o Delegado faz? Manda a Guarda Municipal intimidar os que ficaram na escola que ocuparam anteriormente, de onde boa parte saiu para a manifestação. Artistas saem às ruas reclamando da suspensão das leis de incentivo. Indígenas ocupam Brasília para defender suas terras contra a mineração. Várias categorias de servidores, como o pessoal da enfermagem e do Incaper, se articulam.
O Estado brasileiro, nos três níveis, foi sucateado de propósito. A inflação (Petrobras nas mãos dos “investidores”), o desemprego e a crise social derivam de uma manipulação do aparelho estatal. As lutas por escola, por habitação, por serviço público eficiente, por defesa do meio ambiente estão aí. Elas estão desarticuladas, pois a esquerda optou pela moderação e ainda dá palanque à extrema direita. Há um potencial para a mudança, para a cidadania ativa, a partir das bases. Há uma possibilidade de que as lutas dos servidores públicos e dos trabalhadores se articulem e foquem na concentração de renda. O que não há é vontade política das lideranças nacionais para que isto ocorra.
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