Chuvas no ES: tragédias que vêm do descaso

Mais de 60 mil pessoas foram afetadas em 39 municípios capixabas nas últimas semanas. Há registros de vítimas de norte a sul, com 16 feridos e 10 mortos. Até a tarde dessa sexta-feira (7/2), contabilizou-se 3.354 desabrigados e 13.687 desalojados. Qualquer alerta de chuva deixa moradores apreensivos. 

Após décadas de descaso, por parte do poder público, o período de chuvas intensas continua provocando tragédias. O planejamento urbano – na verdade, a falta dele – é a raiz da questão.  Há tempos que um conjunto de iniciativas deveriam ter sido tomadas pelos governantes, que, embora cientes  dos riscos nas áreas devastadas pouco ou nada fizeram. Ou seja, Estado, União e municípios são cúmplices na inoperância.

Desde 2011, por meio do Serviço Geológico do Brasil, o governo federal já apontava em relatório quais eram os principais problemas nas áreas de risco e dava recomendações ao poder público sobre o que deveria ser feito para evitar futuros desastres. Ou seja, cenas como as que o ES testemunhou nas últimas semanas devem continuar acontecendo em épocas de chuvas.

“E o problema ainda é tratado como recente, atribuindo os desastres apenas à intensificação das mudanças climáticas”, critica a presidenta da Adufes, Ana Carolina Galvão, lembrando o descompromisso social da administração pública que vem se acirrando no governo Bolsonaro. “Falta planejamento urbano, fiscalização constante e ações preventivas eficientes”, destaca.

Quem se mostra também preocupada com as tragédias das chuvas é a pesquisadora urbana Clara Luiza Miranda, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Ufes. Para a docente, se não fosse a ocupação humana mal planejada e a negligência com os elementos da natureza, o regime de chuvas seria apenas natural e não trágico. “Ao lado da urbanização irregular e ilegal, os problemas com as enchentes são causados pela falta de acesso à terra urbanizada bem localizada e por desrespeito à legislação”.

De acordo com a urbanista, a solução para inibir a crescente ocupação de áreas de riscos, como encostas de morros, de manguezais e beiras de rio, reside na vontade e compromisso das administrações públicas em finalmente definir a política de expansão urbana de suas cidades. 

Miranda também chama atenção para a população que ocupa as áreas vulneráveis, que precisa de alternativas dignas e seguras de moradia e assistência do poder público “Temos concentração de terras e o resultado são áreas com boa localização inacessíveis aos  pobres; os baixos salários impedem tal acesso”.

A pesquisadora enumera, ainda, as legislações vigentes que o poder pública deveria observar, como o Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei n. 6.766/1979) e, consequentemente, o Plano de Diretor Urbano, por exemplo, para coibir novas ocupações e regularizar as que já existem; pavimentação e drenagens eficientes para escoamento das águas pluviais; vistorias e trabalho de conscientização constantes.  “As legislações são boas, mas não são aplicadas por falta de vontade política”, completa Miranda, garantindo que é preciso planejamento.

Para fazer planejamento é importante buscar diagnósticos e pesquisas realizadas por institutos e universidades. “Mas o que vivenciamos atualmente é um governo que desqualifica os pesquisadores e os resultados de suas pesquisas, que desmantela os institutos de pesquisa, seu acervo, sucateando pesquisas e universidades”, denuncia a presidenta da Adufes.

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Fonte: Adufes