Lei que originou a comemoração do Dia da Professora e do Professor previa castigos e reforçava a ideia de que meninas tinham menos capacidade intelectual

Documento traz ainda a necessidade de instruir a população com o objetivo de “civilizá-la” para conviver em sociedade

A data comemorativa do Dia da Professora e do Professor remete à primeira Lei Geral relativa ao Ensino Elementar e ao decreto imperial, de 15 de outubro de 1827 (anos depois Antonieta de Barros criou a data em Santa Catarina, que se fixa em 1963 durante o mandato do presidente João Goulart). Outorgado por Dom Pedro I, o decreto foi a principal referência para os docentes do primário e ginásio nas províncias. As normas tratam da descentralização do ensino, remuneração das/os professores e mestras (nomenclatura utilizada na lei) e ensino mútuo (método Lancaster), entre outros aspectos administrativos.

Conhecidas como um marco para a educação, é bom lembrar que, na prática, as leis serviam para moldar crianças e jovens com condutas morais, sociais, atitudes e comportamentos que os legitimassem como membros da sociedade. Assim, o documento prevê, inclusive, os castigos a serem aplicados.

Outro ponto é a adoção do “método de ensino mútuo”, também conhecido como método Lancaster. Segundo o modelo, “um só mestre para mil discípulos” de forma que as/os alunas/os mais “capazes” de cada classe, denominados “monitores”, eram instruídos separadamente pelo mestre para que, por sua vez, ensinassem aos demais. Embora tenha sofrido modificações com o passar dos anos, o método conserva ideias-chaves dessas expressões que perduram ainda hoje.

Para a presidenta da Adufes, Ana Carolina Galvão, exemplo disso é que até hoje se observa nas ideias pedagógicas dominantes uma minimização do papel da/o docente a mero multiplicador técnico. “Se faz um discurso de valorização da educação quando na verdade não se pretende oferecer ensino de qualidade”, critica Ana.

Pouca mudança na prática. O decreto criou a condição legal para existência de um projeto de educação. Contudo, pela falta de recursos financeiros e materiais, além da ausência do próprio compromisso político das províncias com a educação, pouca coisa mudou. Além disso, a educação estava restrita à elite, uma vez que o povo em geral precisava se concentrar no trabalho para garantir suas necessidades básicas e, ainda, as/os negras/os não tinham nenhuma garantia de acesso à escolarização. Sendo a maioria da população constituída por pobres e negras/os, a determinação imperial era um luxo para poucos.

Currículo diferente para meninas e meninos. A lei determinava que, nas “escolas de primeiras letras” do Império, meninos e meninas estudassem separados e tivessem currículos diferentes. Em matemática, por exemplo, as garotas tinham menos lições do que os garotos. Enquanto eles aprendiam adição, subtração, multiplicação, divisão, números decimais, frações, proporções e geometria, elas não podiam ver nada além das quatro operações básicas. Já nas aulas de português e religião, o conteúdo era o mesmo para meninos e meninas.

O argumento de inferioridade era amplamente defendido por senadores da época, que chegaram a debater o tema, sem, no entanto, avançar na proposta de igualdade entre mulheres e homens. Certa vez, relata documento do Arquivo do Senado, em Brasília, o parlamentar Visconde de Cayru (BA) chegou a afirmar que “para elas, acho suficiente a nossa antiga regra: ler, escrever e contar. Não sejamos excêntricos e singulares. Deus deu barbas ao homem, não à mulher”, disse.

Com o passar dos anos, esse discurso misógino e machista foi perdendo sua força e cada vez mais as mulheres adentrando os espaços escolares formais e o currículo tornou-se unificado. “Mas, não nos iludamos. Muito ainda é necessário para que nós, mulheres, possamos estar nos lugares que quisermos. Que possamos permanecer em luta por uma sociedade sem as marcas das opressões”, finaliza, Ana.

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